Tom Horn, a última cavalgada de MacQueen
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de dezembro de 1980
Os mocinhos estão cavalgando novamente nas telas a julgar pelas produções americanas que estrearam este ano nos Estados Unidos e que, agora, começam a chegar ao Brasil: "Tom Horn" já em exibição (Cine São João, permanecendo em segunda semana a partir de amanhã), "Cavalgada de Proscritos" - mais uma revisão da saga de Jesse e Frank James, programado para breve, sem contar "Bronco Billie", que Clint Eastwood interpreta e dirige, inspirado na vida do famoso vaqueiro que se tornou herói dos primeiros bangue bangue de Hollywood. O cinema americano por excelência, como definiu um critico francês, resiste ao tempo e a visão deste "Tom Horn", penúltimo filme interpretado por Steve McQueen (1930 1980) é, no mínimo, sentimental. A fotografia de John Alonzo, um excelente profissional, procura os contrastes noturnos, no melhor estilo que consagrou o mexicano Gabriel Figueiroa nos anos 50 - e que teve em Chick Fowle, ao fotografar "O Cangaceiro" (1953, de Lima Barreto) um fiel discípulo. Os grandes espaços, as lutas dos "barões do gado" contra os ladrões e também contra os pastores de ovelhas, se inserem num western dentro da melhor tradição deste gênero de tantos filmes representativos e alguns clássicos.
Baseado numa história real, sobre os três últimos anos do batedor, vaqueiro e "gunfighter" Tom Horn, enforcado em novembro de 1903, numa pequena cidade do território de Wyoming, esta produção do próprio McQueen associado a Frede Weintraub, procura a desglamorização - apesar dos requintes com que foi realizada especialmente na fotografia e cenografia. Já atacado pelo câncer na época das filmagens, McQueen está longe da imagem máscula e juvenil de "Nevada Smith", que Henry Hathaway realizou em 1966, inspirado num dos personagens de "Os Insaciáveis" (The Cappetbagers, 63, de Edward Dmytrick), interpretado por Alan Ladd (1913 1964) - e que, por sua vez teria sido decalcado pelo romancista Harold Robbins do lendário cowboy-ator Tom Mix (Thomas Edwin Mix, 1880-1940). Em "Nevada Smith", Steve McQueen era o homem em busca de vingança dos assassinos de sua família - mesmo quadro que, oito anos antes, Henry King havia colocado em outro clássico western: "Estigma da Crueldade" (The Bravados, 58). No western, como na natureza, nada se cria, tudo se transforma - inclusive (e especialmente) as lendas. Um gênero tão amplo e de espaços tão generosos, a saga dos homens que cresceram com o Oeste, em suas lutas, crimes e heroísmos, tem sido revisitado das mais diferentes maneiras pelo cinema ao longo de 77 anos, desde quando Edin S. Porter (1869-1941) rodou o pioneiro "O Grande Roubo do Trem" (The Great Train Robbery, 1903). A emoção do western está presente em todos os que curtem o cinema, pois as imagens de mocinhos, bandidos e índios, cavalgadas, horizontes sem fim, vales e desertos, bem-comportados romances, o bem vencendo o mal, fica presente das matinées de todas as infâncias. É impossível separar a imagem dos westerns - ou dos simples bangue-bangue classe B, da Republic - de uma época do cinema que hoje já parece muito distanciada. De certa forma, mesmo "baseada numa história verdadeira" como adverte já na projeção dos créditos, "Tom Horn" tem este encanto. Há muitos tiroteios uma violência que chocaria nos anos 50, mas que os bangue-bangues europeus (especialmente os italianos) fizeram o público acostumar-se, as brigas corpo a corpo são colocadas em elipses e a fotografia de Alonso se fixa nos amplos espaços exteriores. Herói da campanha contra o lendário apache Gerônimo - mas que merece seu respeito, lendário por seu domínio na winchester, Tom Horn chega a Wyoming, como sempre chegaram os grandes heróis do western: sozinho, sem querer falar muito no passado. Mas ao contrário de tantos clássicos (como os eternos "Os Brutos Também Amam/Shane", 53, de George Stevens e "Homem Sem Rumo/Man Without A Star", 55, de King Vidor), onde ao final, o cowboy-herói, aparece seguindo em seu caminho solitário, cavalgando contra o horizonte, em "Tom Horn" há a seca e dura imagem do herói morto, enforcado por um crime que não teria cometido. Afinal trata-se de uma "true story", como diz a produção. O roteiro de Thomas McGuane e Bud Shrake, baseado num livro de memórias do próprio Tom Horn teve do estreante (ao que nos consta) diretor William Wiard um tratamento dinâmico: alguns "flash back" são liricamente colocados, e o toque político é dado (embora não aprofundado) no momento em que a própria sociedade que convoca os trabalhos profissionais de Tom Horn para eliminar (a sua maneira) os ladrões de gado, deseja dele livrar-se. Sem ser exatamente um "executivo" na linha do esquadrão-da-morte, Tom Horn não brinca em serviço: faz a limpeza dos marginais com as armas que conhece. Mas limpo [o] terreno, passa a incomodar aos que dele necessitavam. Mais ou menos a mesma colocação que foi colocada num western tão notável quanto desconhecido chamado "Só Matando", interpretado por Richard Widmarck - e que apesar de sua importância sócio política-cinematográfica, não chega nem a ser citado nas mais detalhadas enciclopédias de cinema.
"Tom Horn" é um western significativo.
LEGENDA FOTO: Tom Horn: um herói que morre ao final.
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