Viaje pelo tempo no vagão do Armistício
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 10 de janeiro de 1990
Autoditada, pesquisador por amor e dedicação, liberto da camisa-de-força da historiografia oficial, Valério Hoerner Jínior - como outras admiráveis pessoas têm se voltado para o passado de nossa cidade, da inesquecível Maria Nicholas ao Sr. João Marcasssa (autor de "Curitiba, Essa Velha Desconhecida", que passou praticamente despercebido ao ser lançado em edição do autor, há mais de um ano), não pretende esgotar os temas sobre os quais escreve. Ao contrário, procura, isto sim, ouvir todos que possam trazer luzes sobre os fatos que não estão na história oficial e que se perdem com a morte das pessoas. Lamenta, assim, muitas vezes que por razões diversas, aquelas que poderiam contribuir com informações, egoisticamente, se recusem a ajudar a esclarecer aquilo que o tempo tornou nebuloso.
Generosamente, em sua dignidade de quem entende a importância de oferecer uma contribuição - mesmo que eventualmente sujeita a (necessárias) correções, Valério vai publicando seus livros. Sabe que ninguém é dono da história e que portanto o fato corriqueiro de hoje ganha maior dimensão no dia seguinte - e assim, antes que se perca, deve ser registrado.
Redator há três anos da coluna "História de Curitiba" na "Gazeta do Povo", vem ampliando suas pesquisas também a figuras, fatos e acontecimentos que envolvem o Interior e mesmo outros Estados - com alguma relação, direta ou indireta, a nossa cidade. Mas naturalmente seu maior arquivo concentra-se na Curitiba física, que é lembrada nos seus textos, ilustrações de Poty e nas fotos do histórico Vagão do Armistício, e neste livro que embora já impresso só terá distribuição a partir de fevereiro.
A Luiz Xavier - a menor avenida do mundo, a antiga Rua do Serrito, a Boulevard Dois de Julho (que hoje é a Avenida João Gualberto), a Ratcliff que virou Rua Westphalen, a Rua Fachada (atual José Bonifácio), a antiga Travessa do Thesouro (hoje Cruz Machado), as ruas Formosa, Alegre (hoje Cândido Leão), do Fogo, Cadeia, dos Campos Gerais (hoje Vicente Machado), entre tantas referências na transformação da cidade.
Valério não fica apenas nas ruas. Ele fala sobre tipos humanos, lembrando, por exemplo, o Chico Bosta - que se transformaria no Barão da Merda, quando sua empresa de limpeza de fossas organizou-se em termos econômicos; o Arcabuz da Miséria, o Saúde, Nhá Perpétua, o Pé Espalhado, o Sacarrolha, a Maria Botão, a Maria Sete, a Maria Pelanca, a Maria Desenhista e chegando à contemporânea Maria do Cavaquinho entre as Marias que, em diferentes épocas, povoaram as ruas - tipos marginalizados mas com grande dose de humanidade e que Valério soube (re)ver com ternura e sensibilidade. Duas outras Marias - estas adoradas pelo povo, também são lembradas. A Maria Bueno (1864-1893) - que já inspirou peças de teatro, balé, uma telenovela e atualmente um vídeo-filme, que Valêncio Xavier coordena - e a Maria Polenta, Maria Trevisan Tortato (1888-1959), lembrada hoje, 30 anos depois de sua morte, pelos verdadeiros milagres que operava como massagista de méritos divinos.
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Quarenta das 213 páginas de "Ruas e Histórias de Curitiba" foram dedicadas ao "Vagão do Armistício" - restaurante que nasceu nos fundos da residência do ferroviário Isaac Lazarotto, na Avenida Capanema - hoje Affonso Camargo - e que, em si, marca toda uma história à parte. Tanto é que a intenção do editor Marcelo Araújo Muzillo, da Artes & Textos Editoração Eletrônica (Alameda Dr. Carlos de Carvalho, 1027, fone 234-1616) é tirá-lo como uma separata, acrescido de fotos que não foram utilizadas e uma nova capa, com a obra de Hoerner lança-se no mercado editorial, com sua editora totalmente informatizada, e na qual já vem imprimindo a sofisticada revista "Sucess", editada pela Sigra, do colunista Calil Simão, com direção do jornalista Emílio Zola Florenzano.
Além das dezenas de ilusrações que Poty - autor também da capa e contracapa - Valério reuniu fotos de Curitiba do passado, desenhos de Heitor Borges de Macedo e charges de A. Paixão, Columero e outros autores não identificados, do início do século.
Só para ilustrar a parte referente ao Vagão do Armistício, Valério Hoerner reuniu 15 fotos históricas, em algumas delas aparecendo o interventor Manoel Ribas, secretários de Estado e políticos da época (numa delas o então menino Poty, que viria a ganhar uma bolsa de estudos do interventor para estudar no Rio de Janeiro). Artistas que, quando vinham a Curitiba, para temporadas nos antigos cines-teatro Hauer, Palácio e outras casas, também não deixavam de experimentar o rizotto que a dona Julia sabia fazer, ela que pode ser considerada a intordutora deste prato curitibano - quando os imigrantes venetos, na então colônia de Santa Felicidade, jamais pensavam que aquele bairro se transformaria na piccola Itália de nossos dias - o que só aconteceria a partir do final dos anos 50.
Dóris Monteiro no fugor de sua juventude, Henriqueta Brieba - hoje aos 89 anos, ainda firme nos palcos, Procópio Ferreira e até a escandalosa (para os padrões da época), adepta ao nudismo, Elvira Pagão (numa foto em que exibia suas perfeitas pernas) estão em algumas fotos que Dilá, esposa do cartorário João Lazarotto, irmão caçula de Poty, cedeu para que Valério ilustrasse seu livro. Mas são as 9 ilustrações de Poty, com seus traço único, que fazem desta parte central do livro, algo à parte - credendiando-o, já a ser obra de aquisição indispensável (preço ainda não definido), mil exemplares já reservados, inclusive 300 pela Secretaria de Cultura, que entendeu a importância desta obra ter continuidade. Continuidade, aliás, que se depender de Valério Hoerner acontecerá, pois disposição, material e entusiasmo não lhe faltam e, de pronto poderia aprontar mais dois outros volumes na mesma linha.
- "Mas não tenho pressa. O importante é fazer as coisas de forma tranqüila e criteriosa" - diz, em sua modéstia de idealista que trabalha com amor e sem outras pretensões a não ser a de deixar sua contribuição para a cidade em que nasceu e na qual vive.
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