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Aramis

Apesar da crise, a Garibaldi recusou ajuda de US$ 120 mil

Nestes tempos bicudos, é lógico que uma sociedade tradicional, mas em grande crise financeira, com seu único patrimônio necessitando de pesados investimentos para restauração, despreze a oferta de US$ 120 mil? É esta a pergunta que, por certo, o diplomata Gian-Carlo Izzo, há seis meses no Consulado Geral da Itália,, está fazendo ao receber oficialmente a informação de que a diretoria da Sociedade beneficente Garibaldi decidiu, por unanimidade, recusar a oferta feita pelo Consulado. xxx A história tem suas versões que merecem ser analisadas. Da parte do Consulado Geral da Itália, instalado há seis anos num imóvel alugado na Rua Atílio Bório, 680, havia o interesse de, ao mesmo tempo em que a mais tradicional entidade ítalo-brasileira existente no Paraná pudesse resolver seus problemas de restauração e manutenção, ocupar uma parte do imóvel, nos fundos, atualmente ociosa. Em troca, o Consulado arcaria com as despesas de restauração e reformas necessárias - dispondo para tanto de uma verba de US$ 80 mil - e firmaria um contrato de aluguel por nove anos que daria uma média de US$ 40 mil por anos. O que, convenhamos, é uma apreciável soma - mesmo com toda a inflação. xxx O diplomata Gian-Carlo Izzo, que há menos de seis meses chegou a Curitiba, conheceu a centenária Sociedade Garibaldi. Ficou impressionado com sua ótima localização, seu significado dentro da cidade e, ao mesmo tempo, condoído de ver a miserável situação financeira em que se encontra: menos de 300 sócios, dos quais apenas 250 contribuintes, com uma mensalidade de Cz$ 600,00, o que dá uma renda insuficiente para cobrir as despesas mínimas - três empregados, luz, telefone, limpeza, etc. Preocupado em encontrar uma forma da Garibaldi voltar aos seus tempos de glória, o cônsul Izzo iniciou um delicado processo junto ao Ministério das Relações Exteriores da Itália, para conseguir recursos que possibilitassem a reforma do imóvel, inclusive com seu aproveitamento como um grande espaço cultural. Em troca, o Consulado ocuparia parte das instalações para seus serivços burocráticos, mas arcando com todas as despesas. A proposta foi encaminhada ao presidente Alfredo Sant"Ana Ribeiro, que, há duas semanas, deu a resposta: a diretoria recusou "por unanimidade". xxx Alfredo Sant'Ana Ribeiro, 75 anos, desde 1934 sócio da Garibaldi e que entre 1943/1953 - no período mais difícil de sua história, a presidiu e conseguiu preservá-la, quando todas as sociedades ligadas aos países do eixo (Alemanha-Japão-Itália) foram extintas no Brasil devido a II Guerra Mundial, alinhava uma série de argumentos para justificar uma atitude tão surpreendente. De princípio, diz que na proposta oficial do Consulado não havia referências a valores - e que extra-oficialmente o cônsul Izzo - com quem, aliás, diz manter "as melhores relações" - havia informado que das despesas de recuperação do imóvel, seria descontado o aluguel. Ou seja, os US$ 3 mil mensais somente seriam pagos a partir do momento em que o investimento inicial fosse equilibrado. Fazendo um retrospecto histórico da Sociedade Garibaldi, fundada há 104 anos, Alfredo Sant'Ana Ribeiro diz que foi doloroso o processo de perseguição à Sociedade e seus diretores, a partir do momento em que o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, em 1943. O belo edifício-sede, construído em 1907 - projeto de um arquiteto italiano (cujo nome não se recorda) que deixou outras grandes obras em Curitiba, foi desapropriado pelo Estado e, durante mais de 15 anos ocupado pelo trribunal de Justiça do Estado. A partir dos anos 50, iniciou-se uma verdadeira guerra jurídica para a sociedade recuperar o seu imóvel - ocupado, ironicamente, pelo próprio Tribunal de Justiça. Só em 1962, no primeiro governo Ney Braga, com a construção do suntuoso Palácio da Justiça, os senhores desembargadores que, sucessivamente, vinham obstando os recursos do clube, concordaram em deixar o imóvel na Praça Garibaldi. E a Sociedade pôde, enfim, recuperar o seu patrimônio. O industrial Orlando Ceccom (1916-1977), que a presidiu a partir de 1963 até a sua morte, fez a Sociedade recuperar um pouco de seu passado de glória. Empresário de projeção, espírito cultural aberto - tanto é que sua editora, a Litero-Técnica, fez parte da nossa vida cultural, Ceccom deu a Garibaldi sucessivas administrações bem sucedidas. No longo período em que a Garibaldi ficou sem sede, esteve abrigada alguns meses na Sociedade Batel e, posteriomente, junto a Sociedade de Educação Física Duque de Caxias, na época ocupando meia quadra da Rua José Loureiro - onde hoje existe o edifício das Lojas Muricy. Sant'Ana Ribeiro, presidente naquele difícil período, diz que "houve muito sofrimento e perseguição". Chegou a ter ameaças de prisão do interventor Manoel Ribas, que o castigou também como servidor do Estado - funcionário da antiga Secretaria do Trabalho e Assistência Social, foi removido para o Interior do Estado. - "Por termos tido um período de agruras, não desejamos, nunca mais, atrelarmos a Sociedade a qualquer instituição que possa vir a nos criar problemas" - diz, justificando o fato de que o prazo de contrato oferecido pelo Consulado da Itália (9 anos) lhe pareceu demasiadamente longo. xxx O curioso é que os velhos diretores da Sociedade Garibaldi temem hoje, justamente, o próprio Consulado Geral do país dos quais são oriundi. Assim, a decisão da diretoria surpreendeu os associados mais jovens que se preocupam com a situação trágica com que a entidade vive: o prédio exige reformas imediatas, com custos elevadíssimos. O presidente Alfredo Sant"Ana Lobo diz que "O mais imediato já foi feito" e confia nos benefícios da Lei Sarney para sensibilizar empresários que venham a financiar obras na entidade. Infelizmente, um dos homens mais ricos do Paraná, Senibaldo Trombini, que está entre os sócios veteranos, há muito se afastou da sociedade - integrando o grupo oposicionista (do qual faz parte também a família Ceccom): há 4 anos, candidato a presidente, Trombini perdeu pela diferença de um mísero voto. O que lhe está atravessado na garganta e o faz, mesmo constrangido, a ver secular entidade caminhar para ser transformada numa ruína urbana. LEGENDA FOTO: Sociedade Garibaldi: 104 anos de tradição, um belo edifício, mas em crises financeiras. E a diretoria recusou ajuda do Consulado da Itália.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/08/1988

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