A big band curitibana durante duas décadas
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 12 de abril de 1989
Difícil encontrar um curitibano(a) que já passou dos 40 anos que não ligue o nome de Genésio com o Chá Dançante de Engenharia. A orquestra de Genésio acabou há 28 anos, junto com o chá dançante - familiar e ingênua reunião domingueira que o diretório acadêmico de Engenharia do Paraná promoveu desde o final dos anos 30 e que teve sua fase áurea na segunda metade da década de 40, quando o diretor social do diretório era o garboso Abílio Ribeiro, hoje sexagenário e aposentado - após ter ocupado, sempre com grande competência e honestidade, dezenas de funções técnicas nas duas administrações de Moisés Lupion, e governos que o sucederam - exceto Ney Braga.
O chá dançante era realizado na Sociedade Duque de Caxias, um grande prédio na Rua José Loureiro - onde hoje existe as lojas Muricy. Tentativas de reestruturar aquela promoção fracassaram: afinal mudaram várias coisas - a cidade, o comportamento, e, principalmente a música. Os rapazes que promoviam as domingueiras dançantes sabiam das coisas - e prova é que, em 1960, pouco antes das mesmas encerrarem, trouxeram a Curitiba, para uma única apresentação um jovem cantor que começava a aparecer cantando e tocando violão de forma diferente. Chamava-se João Gilberto e foi a única vez em que ele pisou na cidade...
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Paranaense de Ponta Grossa, filho de um músico - Joaquim Alves Ramalho - Genésio e seu irmão, Janjão (João Ramalho, 1908-1984), aos 10 anos começou a se interessar pelos instrumentos musicais (seu pai tocava bombardino) e assim, a percussão ("meu primeiro instrumento foi um chocalho") o atraía. Com 14 anos já se enturmava com a Orquestra Tupinambá mas seria no 13º Regimento de Infantaria, ao servir o Exército (em Porto União), que passaria a tocar caixa na banda militar. Em 1933, de volta a Ponta Grossa, Emílio Vooget, do Jazz Guarany - lhe deu chance de receber os primeiros mil-réis como músico. O futebol era outra paixão e como ponta-direita do Guarani chegou a decidir o campeonato de 1934, fazendo 11 gols.
Em fins de 1937, com 385 mil réis no bolso, veio para Curitiba, tentar a vida. O primeiro endereço foi a pensão dos Ferreira, no qual conheceu um de seus melhores amigos, Janguinho (João Ferreira dos Santos), que seria um dos ídolos do Ferroviário nos anos 40 e parte da década de 50.
Preocupado com aprimorar-se musicalmente chegou a estudar saxofone, mas bateria estava no sangue e assim logo encontrava espaço no Jazz Elite, liderado pelo saxofonista Nicolau Zetola, exclusivo da Sociedade Batel (hoje o Batelzinho, bem popular). Começava, então uma fase depois profissional que não interromperia por mais de 20 anos: algum tempo depois formaria sua própria orquestra, na qual introduziu algumas regras básicas: nada de bebida, músicos bem arrumados e, principalmente ensaios regulares. Resultado: ganhou fama e não deitou na cama. Ao contrário, instalou num sobrado da Rua Riachuelo uma espécie de estúdio-escritório, para ensaios de segunda a quinta-feira, preparando para atender compromissos que chegavam de toda a parte. Era uma época em que o Genésio e sua orquestra representavam 80% do êxito de um baile. Recorda:
- Em dezembro de 1958, fizemos 22 bailes. O pessoal chegou no dia 1º de janeiro de 1959 quase mortos, mas satisfeitos, e, dificilmente com muito mais dinheiro na carteira.
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A amizade com Mr. Houti, quer dirigia o Centro Cultural Brasil-Estados Unidos (que funcionou por muitos anos no 7º andar do edifício Moreira Garcez) foi importante para a orquestra. Através do "Inter", Genésio recebeu "caixas e mais caixas" de partituras de músicas americanas que constituíam os repertórios de orquestras de Glenn Miller, seu ídolo e que, por coincidência, com quem tinha uma certa semelhança física. Graças ao bom gosto na escolha do repertório - e apresentando standards que hoje, 50 anos depois, permanecem inesquecíveis e insuperáveis, a orquestra de Genésio oferecia a melhor música - numa época em que inexistindo a concorrência da música mecânica (afinal, quem pensaria em fazer um baile ou mesmo uma festa em clube, com o som vindo de frágeis 78 rpm?) e havendo condições de se pagar preços razoáveis aos instrumentistas, o som ao vivo era indispensável.
Um estudo sobre a música dos anos 30/40, mostrará a importância da orquestra de Genésio, pela qual passaram mais de 150 diferentes instrumentistas e crooners - muitos dos quais se projetaram profissionalmente, enquanto outros, estudantes, encerraram suas carreiras após terem se formado pela Universidade do Paraná. Outras orquestras procuravam seguir a linha de Genésio, mas poucas conseguiram ter o mesmo marketing.
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Escrevente juramentado, Genésio conseguiu sempre equilibrar sua vida de ocupado músico com as atividades nos vários cartórios pelos quais passou (Epaminondas Macedo, 3º tabelião de registros etc.). Aposentado também nestas funções, o prazer em fazer música não permitiu que, agora, com excelente forma física e muitas idéias, decidisse retornar à bateria e, liderando uma orquestra "que terá os melhores profissionais possíveis de serem arregimentados" vai mostrar aquilo que não se pode deixar de classificar como "a música dos anos de ouro". Ainda bem...
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