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Aramis

A cidade, os técnicos e os enganos (III)

Em sua analise sobre "o planejamento e sua implantação nas cidades em crescimento acelerado" que defende em Washington, num seminário com a participação de especialistas vindos de vários continentes, Lubomir Ficinski expõe também as suas idéias e propostas, partindo do caso de Curitiba que conhece profundamente. Assim, em seu entender, uma nova postura de planejamento deve nascer da própria cidade "e voltada para ela e seus residentes, criando novos conceitos, uma vez que os conceitos clássicos oriundos de países industrializados e dependentes de tecnologias avançadas não se adaptam às nossas realidades e aos nossos recursos". Assim essa política deve procurar direcionar o crescimento da cidade e controlar a sua evolução territorial. A experiência tem revelado que o Poder público local está fixado numa ação físico territorial, sem parecer, muitas vezes, que esta ação deve servir de suporte a programas mais importantes nas áreas sociais e cultural. Isto porque, apesar de toda ação em obras físicas, Desenvolvimento Urbano significa atingir objetivos sociais mais relevantes: promoção social do habitante, sua acessibilidade aos diversos serviços urbanos, a manutenção de sua função lúcida e o fortalecimento do seu desempenho econômico. Tudo isso representa uma melhora do cotidiano da vida urbana, com real impacto social se as parcelas de menor renda puderem participar igualmente dessas vantagens. Xxx Lubomir Ficinski se preocupa em termos de urbanismo, partir de uma apreensão simples, porém global da situação da cidade, "em que é muito importante observar que os objetivos constituem metas a serem atingidas e não somente extrapolações da realidade de hoje, que normalmente se pretende mudar". Assim o arquiteto e professor paranaense está expondo, nesta semana, na capital dos Estados Unidos, a idéia de que o procedimento mais correto é respeitar o cotidiano da cidade, acompanhá-lo globalmente e induzi-lo para aquela situação caracterizada como ideal, da qual se tem as tintas mais gerais, mas que é passível de ajuste a qualquer momento. Esse procedimento é um processo continuo de intervenções decorrentes de uma postura intelectual de se ter simultaneamente uma realidade concreta, a qual seja a cidade tal como ela é, e uma abstração ideal mas atingível que é como a cidade deseja ser. Dessa forma vai se direcionar o crescimento da cidade no sentido mais desejado dando opções a cada atividade urbana. Periodicamente, o próprio plano vai sofrer uma reavaliação fazendo a cidade e o plano interagirem constantemente por ajustes sucessivos. Assim, Lubomir propõem o abandono do conceito estático de "plano" que passa a ser substituído por um conceito dinâmico de sistema de planejamento e a simplificação do tratamento dos dados estatísticos com a contrapartida de um processo continuo de acompanhamento da evolução da cidade, cotejando os objetivos com a realidade que vai permitir a orientação ativa do desenvolvimento urbano e alertar para as possíveis intervenções. Assim, propõe uma visão global em vez de uma visão setorial "que ainda domina as nossas cidades e que gera uma multiplicidade de órgãos de planejamento, cada um preocupado com o seu desempenho, sem visão de conjunto e com cada atividade quase meio se tornando um fim em si mesmo. A escolha dos objetivos da cidade seu direito inalienável deve refletir alguma forma de consenso de seus cidadãos. Isso nos leva ao problema da participação. Os objetivos da cidade devem ser discutidos quando de sua formulação com os representantes da comunidade. Não como um produto acabado, mas para sentir as aspirações da comunidade. Não é, portanto o "desenho" da cidade e seus sistemas que estarão em discussão. Não se trata de transferir ao cidadão comum os encargos que são dos técnicos. O conhecimento da realidade e a operação sobre a mesma. Não se trata de fazer de cada contribuinte um especialista, mas sim um ativo participante, interessado em defender certos pontos de vista em comum e que para ele parecem como efetivamente merecedores de serem defendidos. Assim o que estará em discussão é a melhoria da qualidade de vida do cidadão, a manutenção de características culturais a serem preservadas, a promoção social de camadas mais pobres da população, em suma um enriquecimento do cotidiano. O que estará em discussão é a componente política do planejamento, que torna necessárias negociações complexas e estabelecimento de mecanismos de compensação. Xxx No caso das cidades existem, definidos os seus objetivos, surgem as linhas de ação interligadas e coerentes entre si. De um lado o direcionamento físico da cidade ou seja, a visão da cidade de que vai ser, a partir daquilo que ela é, passando pelo que deve ser mantido e o que se quer mudar. O problema, enfim, de seu crescimento. De outro lado, a manutenção e melhoria do cotidiano com as suas componentes econômicas, sociais, culturais e de animação. Isto porque ao homem comum, que luta pela sobrevivência, pouco se lhe dá saber que em 10 ou 20 anos, viverá numa estrutura exemplar. Seus problemas são imediatos e muito ligados ao emprego, transporte, saúde e educação para si e seus filhos. E soluções tem que vir de encontro a estes problemas. Esta é a forma de conseguir a aprovação ativa deste homem ao que se está fazendo e pretende se fazer e que vai dar ao poder público forças para enfrentar as pressões que fatalmente hão de vir.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
18/10/1980

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