Conheça o Jubiabá de Amado na visão de Nelson Pereira
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 26 de fevereiro de 1988
Quando será que os ilustres programadores-chefes das salas de exibição da cidade entenderão que também funciona na cinematografia aquela regrinha básica que qualquer técnico fuleiro de futebol sabe respeitar: "Não se mexe em time que está ganhando"?
O grande problema na flutuação das estréias na cidade é que pelo menos dois grupos programam suas salas locais diretamente de São Paulo, impedindo que os gerentes locais possam influir nas decisões finais.
Assim, muitas vezes, só no entardecer da terça-feira - ou manhã da quarta-feira - é que Egom Prim, o atlético representante local da CIC (Cines Lido I/II, Condor) ou o atencioso Jairo, do Plaza, tem a confirmação da programação.
Nesta semana, por exemplo, esperava-se que o excelente "Sem Saída" (No Way Out), de Bruce Beresford, dobrasse a semana. Tema atual - sexo & intrigas em Washington, um ator que começa a se tornar famoso na cabeça do elenco (Kevin Costner, o mesmo de "Os Intocáveis"), uma bela atriz (Sean Young) fariam o filme ter um público crescente. Até terça-feira à noite, estava confirmada sua permanência, mas na manhã de quarta-feira, veio a contra-ordem: saiu de cartaz e entrou (ontem), "Malone", violento filme sobre os bastidores da Máfia, com Burt Reynolds na cabeça do elenco. Pode até ser um filme surpreendente, mas lamentável que um "No Way Out", uma das mais interessantes produções da temporada, seja retirado de cartaz. A propósito, a belíssima trilha sonora que Maurice Jarre compôs para este filme acaba de ser lançada no Brasil, pela Varésse/SBK Songs, uma nova etiqueta que vai se dedicar prioritariamente a edição das melhores sound tracks.
Sábado, no Lido II, estréia um filme nacional, sem maiores referências (e informações) - "Chiao Amore", enquanto o frei Chico decidiu manter no Luz o alto astral de "Leila Diniz", no belo filme de Luiz Carlos Lacerda ("Bigode"), com a maravilhosa Louise Cardoso como a musa de Ipanema dos anos 60. Já no Groff, em substituição a "Ele, O Boto", de Walter Lima Júnior, retornou ontem um dos melhores filmes brasileiros de 1987: "Anjos do Arrabalde", de Carlos Reichenbach - merecidamente o grande vencedor do XV Festival do Cinema Brasileiro de Gramado, no ano passado. Uma crônica com toques do neo-realismo italiano (Carlão é apaixonado pelas obras de Valério Zurlini), mas também com um pouco da violência nossa de cada dia, reflexos de sua formação vendo filmes japoneses, "Anjos do Arrabalde" é uma densa reflexão sobre o universo do subúrbio, com suas misérias, as pressões familiares e a busca de ascensão social latente em personagens humanos. Beth Faria, esplêndida como uma professora primária, foi premiada como melhor atriz em Gramado (dividindo o "Kikito" com Marília Pêra, por "Anjos da Noite", de Wilson de Barros). Emílio di Biase, ator e diretor de teatro, que anteriormente já havia feito "Demência", com o mesmo Carlos Reichenbach (e que lhe valeu o "Kikito" de melhor ator coadjuvante, em 1986), também está ótimo neste filme com outros bons intérpretes - Irene Stefania, Antônio Fagundes, Clarisse Abujamra, Vasenna Alves e Nicole Puzzi - entre outros.
Estréias - Duas estréias na semana. Em primeiro lugar, o há muito aguardado "Jubiabá", novo mergulho do mais respeitado cineasta brasileiro - Nelson Pereira dos Santos - na literatura de Jorge Amado (de quem fez, há 12 anos, a melhor adaptação em "A Tenda dos Milagres"). Coprodução Brasil-França, rodado há mais de dois anos, "Jubiabá" dividiu os admiradores de Nelson: houve os que viram méritos nesta saga de um negro em busca de seu espaço numa sociedade hostil e os que detestaram o filme. Há intérpretes franceses - como Françoise Goussard, Catherine Rouvel, Raymond Pellegrin; como brasileiros: Charles Baiano (uma grande revelação), Ruth de Souza, Zezé Motta, Grande Otelo, Luís Santana e Beth Faria (assistente de direção e atuando numa pequena personagem). Fotografia esmerada do mestre José Medeiros e bela trilha sonora de Gilberto Gil. De qualquer forma, um filme de visão obrigatória.
A outra estréia desta semana é "O Limite da Traição" (Extreme Prejudice), do irregular Walter Hill - com uma carreira pontilhada de altos e baixos. Trata-se de um policial de ação e aventuras sobre seis ex-soldados oficialmente dados como mortos em ação, mas que estão vivos e desenvolvendo uma missão secreta. Esta unidade especial entra em choque com um moderno Texas Ranger, Jack Benteen (Nick Nolte), ao se infiltrar em sua cidade. Cash Bailley (Powers Boothe), que foi o melhor amigo de Jack, é agora seu maior inimigo, controlando o tráfico de drogas local. Uma mulher, Sarita (Maria Conchita Lonso) coloca mais lenha na fogueira. No elenco, um veterano conhecido - Rip Torn. A música é de um compositor veterano e competente - Jerry Goldsmith. Em lançamento no Bristol, a verificar por quem disponha de tempo livre.
Outras Opções - Para quem ainda não viu, muitos filmes de boa bilheteria continuam em cartaz. Em primeiro lugar, "Atração Fatal", de Adrian Lynne - que apesar do sucesso popular e de seis (imerecidas) indicações ao Oscar, não passa de um dos mais canalhas filmes da moral convencional já realizados nos Estados Unidos. Mas que a classe média adora e por isto faz filas no Condor. "Manequim", de Michel Gottlieb - outra mediocridade, com elenco de patetas, também continua em cartaz. Depois de ver o excelente "Nascido para Matar" (Full Metal Jacket), de Kubrick - que continua no Itália - "Hamburger Hill", de John Irvin (São João) serve para mostrar como o mesmo tema pode resultar num épico (Kubrick) ou num pastiche (Irvin). Uma fita agradável e inteligente é "Tocaia", de John Badham - que continua no Astor.
Amanhã, à meia-noite e domingo, pela manhã, no Groff, reprise de "Quinteto Irreverente", a deliciosa comédia italiana, que sempre tem um público fiel. Merecidamente.
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