Depois de "Collor - a cocaína dos pobres", o livro sobre o "Brizula"
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 14 de novembro de 1989
Na sexta-feira, 10, em Brasília foi lançado o livro-reflexão "Brizola" (editora Pajelança, 120 páginas), segundo livro sobre o momento político que o jornalista, ensaísta e professor Gilberto Vasconcelos, publicou em menos de 40 dias. O primeiro, "Collor - a cocaína dos pobres" (Icone Editora, 96 páginas, NCz$ 18,00) teve sua primeira edição (25 mil exemplares) praticamente esgotada em três dias. É que assustado pelo título, o candidato Fernando Collor de Mello determinou que todos os exemplares fossem adquiridos, especialmente nas livrarias e bancas de jornais e revistas das principais capitais. Em Curitiba, ou o comitê pró-Collor não recebeu instruções ou então houve uma reposição: até ontem, em várias bancas da Rua XV de Novembro o livro estava sendo vendido.
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Jornalista polêmico, ex-editorialista e colunista da "Folha de São Paulo", autor de livros-ensaio como "A Ideologia Curupira" (1977), "De Olho na Fresta" (ensaios sobre o Tropicalismo, centrado especialmente na obra de Gilberto Gil e Caetano Veloso) e "O Xará de Apipucos" (sobre o sociólogo Gilberto Freyre), Gilberto Vasconcelos, 41 anos, abandonou o jornalismo diário para se dedicar apenas a escrever livros de temas do momento e dar aulas na Universidade de Juiz de Fora. Residindo em Petrópolis, tem três outros livros prontos - um deles analisando o fenômeno Xuxa, que serão publicados através da recém criada editora Pajelança, de seus amigos José Pereira (produtor-executivo do filme "Brasília: a última utopia", exibido no encerramento do Festival do Cinema de Brasília, no dia 7 último) e Vanderlei Lopes. E justamente estimulado por Pereira, 33 anos, elétrico animador cultural no Distrito Federal, foi que Vasconcelos escreveu, em menos de uma semana, o "Brizula", no qual desenvolve a tese da soma dos dois mais fortes candidatos de esquerda, "a partir da reflexão sugerida pelo samba de Nelson do Cavaquinho, mas modificando a letra: "O Sol (Brizola) já pode viver perto da Lua (Lula)", nos dizia Gilberto, há uma semana, durante o Festival de Brasília, no qual compareceu convidado por uma razão muito especial:
- "Foi ele quem deu o nome de "Brasília: a última utopia" para o filme de seis episódios, sobre esta cidade, e que agora tem sua primeira projeção mundial" - explica seu amigo José Pereira.
Ligado às vanguardas - durante o festival foi uma das mais entusiastas vozes em favor do filme "Sermões", de seu amigo Julinho Bressane (premiado como melhor diretor) - a quem dedicou um texto fazendo aproximações entre o filme-personagem Antônio Vieira e o momento político das eleições - Gilberto Vasconcelos é daquelas pessoas eletrizantes, raciocínio a mil e que faz aproximações entre a cultura contemporânea, especialmente o cinema e a música, com a política. Razão que o fez se tornar um dos maiores amigos e cultores de Glauber Rocha (Vitória da Conquista, Bahia, 14/3/1939 - Rio de Janeiro, 22/8/1981), sobre quem tem material para publicar, quando quiser, de dois a três livros.
Aliás, apesar do título aparentemente agressivo em relação ao candidato do PRN, "Collor - a cocaína dos pobres", é muito mais uma obras de ensaios com reflexões sobre idéias de Glauber Rocha - ao lado do jornalista Cláudio Abramo e do sociólogo Gilberto Freye citado dezenas de vezes (inclusive em epígrafes antes de cada texto), do que propriamente um denúncia contra o ex-governador de Alagoas - e que lidera as preferências do eleitorado para as eleições de hoje.
Evidentemente, que Vasconcelos faz críticas a Collor - e ainda mais contundentes ao jornalista Roberto Marinho e à Rede Globo - razão que, segundo ele, explica o total boicote na divulgação do livro (lançado há mais de um mês, teve pouquíssimos registros na imprensa nacional). A atualidade da "A cocaína dos pobres" e, agora, de "Brizula", (que ainda não chegou a ter distribuição fora de Brasília) faz com que estes dois livros-oportunidade se incluam entre os poucos títulos que saíram nos últimos meses com análises das eleições. Aliás, apesar de todas as atenções da imprensa/tv/rádio voltadas às eleições, poucos foram os que se debruçaram para publicar obras mais pessoais a respeito da escolha do novo presidente - o que torna os livros de Gilberto Vasconcelos, no mínimo, originais. Com sua linguagem elétrica, moderna - numa linha que o aproxima daqueles textos demolidores (inovadores, inclusive na forma) que Glauber Rocha publicou no "Correio Brasiliense", quando ali foi editor especial, a convite do jornalista Oliveira Bastos, após seu retorno ao Brasil (e antes de iniciar as filmagens de "Terra em Transe"), a leitura de "Collor- a cocaína dos pobres" surpreenderá quem espera uma obra-denúncia, com ataques objetivos ao candidato Fernando Collor de Mello. Gilberto é sutil, profundo e intensamente analítico em sua visão das eleições. Na síntese que preparou para a contracapa do livro define "A cocaína dos pobres" como "o mais importante acontecimento pré-eleitoral de 1989, pois coloca em discussão a falácia do voto popular universal como critério de definição da democracia. A cocaína dos pobres retoma a reflexão de Glauber Rocha sobre a Estética da Fome do Sonho. Trata-se de uma análise, crítica e antecipada do processo eleitoral de 15 de novembro, que põe em xeque as teorias de Rousseau e Montesquieu aplicadas ao Brasil, sobretudo ao questionar o valor progressista das eleições para todo mundo. Do pé de chinelo analfabeto ao grã-fino marajá.
O general Golbery, do candidato Collor de Mello chama-se doutor Roberto Marinho, o gênio da raça eletrônica que não permite - pasmem - a seu candidato da mídia participar dos debates na TV.
Compelido pela lógica da sua classe social a engolir o clip collorido dos marajás, o general civil das comunicações quer tirar momentaneamente a mídia da mídia. Isso porque a mídia dos ricos oferece cocaína aos pobres sub-roliudianos do Terceiro Mundo".
No final, a farpa de Gilberto Vasconcelos torna-se ainda mais afiada:
- "A cocaína dos pobres" é uma alegoria antitropicalista da modernidade excludente dos meios de comunicação de massa. De mãos dadas Lyli de Carvalho, Roberto Marinho às vésperas das eleições goza a derradeira lua-de-mel de sua longa vida".
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