Gal, diabolicamente bela e afinadíssima
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 27 de março de 1988
Dos discos das superstars que, normalmente, no final de cada ano, catapultuam [catapultam] às mais generosas vendas, o último a chegar as lojas foi o de Gal Costa ("Lua de Mel como o diabo gosta", Barclay/RCA). Vendeu bem mas a divulgação nos Estados foi atrasada - o que justifica que só hoje estejamos fazendo o seu registro.
Um fato é evidente: na disputa de uma faixa de superstars, Gal corre na mesma pista de Simone (a rivalidade com Maria Bethânia é menor, já que tiveram as mesmas origens) e nota-se isto nas flutuações de repertório. Simone retornou no final de 87 com um disco suave, substituindo a preocupação de canção inéditas por um repertório romântico, com algumas das mais belas músicas destes últimos anos. Sem fazer o mesmo - tanto é que das 10 canções gravadas, três são de Lulu Santos a começar pela que deu título ao LP - Gal também passou a adotar o gênero "jovem senhora", como definiu Marcos Augusto Gonçalves, editor de opinião da "Folha de São Paulo". Ou seja, substituindo a imagem de rebeldia e de hippie pela mulher elegante - com uma discreta sensualidade ela "saiu dos filhos e foi para os pais", ainda usando a expressão de Gonçalves.
A voz de Gal é belíssima. Afinada, perfeita - está entre as mais belas da música brasileira em todos os tempos. Também sempre procurou fazer registros de idéias - desde a revisitação de clássicos do cancioneiro como tendo o privilégio de lançar experiências como "Vaca Profana", de seu amigo Caetano (com quem, aliás, dividia seu primeiro lp, "Domingo, há mais de 20 anos"). Neste seu novo elepê, uma das faixas mais interessantes é justamente "Arara", que abre o lado dois. Sua voz suave se transforma no verso (Se não posso ficar arara, uma arara, uma arara") - em canto onomatopaico, arranhado como o grito do pássaro. Há compositores obrigatórios como Milton Nascimento ("Me Faz Bem"), Gonzaguinha ("Morro de Saudades"), Djavan/Ronaldo Bastos ("O Vento") e Caetano ("Tenda"). A grande canção é "Todos os Instrumentos" de Joyce - mulher e compositora maravilhosa. Mas por que Gal gravou mais uma canção dos hit-makers Sullivan e Massadas ("Sou Mais Eu")? Afinal, estes profissionais podem impor suas canções a cantoras(es) menores, mas Gal tem força para usar melhor uma faixa de seu disco com outros autores. De qualquer forma, o disco está lindo. Como o diabo - e seus fãs - gostam.
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