José Carreras na nova versão da Missa Criolla
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de junho de 1989
Há 25 anos, quando Ariel Ramirez gravou sua "Missa Criolla" em Buenos Aires, em outubro de 1964, podia-se perceber que se tratava de uma obra de apelo universal.
A Igreja Católica transformava-se em conseqüência do Concílio Vaticano II, com uma participação social (e mesmo política) mais intensa dos sacerdotes e, especialmente, buscando uma comunicação maior com milhões de pessoas em todo o mundo.
Ao invés do classicismo do latim - fruto de uma elite que por anos fez a Igreja Católica permanecer distante de camadas mais amplas da população - abria-se a missa para as línguas e idiomas de cada país. Assim, Ramirez, compositor dos mais importantes da Argentina (ali foi um dos dirigentes da associação de defesa dos Direitos Autorais), ao conceber uma Missa cantada sobre um texto em castelhano, aprovada em 1963 pela Comissão Litúrgica para a América Latina, teve um trabalho da maior validade. Logo seguiram-se outras experiências - como as Missas "Luba" e "Bantu, na África; mais tarde a "Missa do Vaqueiro", no Brasil, e dezenas de outras aproximações regionais do canto litúrgico a realidades regionais, numa humanização maior de todo o ritual musical-religioso, milenar, da Igreja Católica.
Combinando de maneira notável as melodias de Ramirez com as formas e os ritmos tradicionais regionais argentinos e hispano-argentinos, a "Missa Criolla" foi concebida para solista (ou duo vocal), coro misto de pelo menos quarenta vozes, órgão (ou piano) e conjunto instrumental, compreendendo charanga (guitarra de cinco cordas), quena (flauta rústica), siku (flauta de Pan boliviana), entre numerosos instrumentos de percussão regionais.
A Polygram (então apenas Philips) sentiu a comunicabilidade (e mercado) para estas inovadas missas e assim as editou em discos. Além de duas edições de "Missa Criolla", com Los Fronterizos, coro da Basílica Del Socorro, chantre do padre J. G. Segade e regência do próprio Ramirez, logo saíam outras missas. A "Luba", cantada em estilo congolês, com os trovadores do Rei Baudoin, regência do padre Guido Heazen, O. F. M. E a "Missa Bantu", com o Coral das Irmãs Brancas Congolesas de Katana (Kivu, Philips, 1966). Experiências mais ousadas foram realizadas com a "Missa em Fá Menor", com o grupo pop The Electric Prunes (Philips, 1968) e mesmo uma "Missa Jazz", composta por Jaromir Hnillcka, que na apresentação da The Gustav Brom Orchestra, foi editada pela MPS, da Alemanha.
Excluindo-se as missas de compositores clássicos e as respeitosamente religiosas, há vários outros exemplos, ao qual se inclui a própria "Mass Spiritual", que Airto Moreira criou há 5 anos, apresentada em Colônia (editada naquele país em elepê pela Harmoni Mundi), e sobre a qual já nos referimos dezenas de vezes.
Acrescentando-se a esta discografia das mais interessantes - e que justifica inclusive apreciações detalhadas - acaba de sair uma nova versão da "Missa Criolla" de Ariel Ramirez, registrada no ano passado na Holanda e que traz como solista nada menos que José Carreras, 46 anos, um dos maiores nomes da música lírica mas que, com grande regularidade, tem feito experiências na área popular - gravando limilights e mesmo versões de músicas de sucesso. Desta vez, a belíssima voz de Carreras valoriza a obra de Ramirez, numa produção esmeradíssima, que teve a participação de instrumentistas como Domingo Cura e Jorge Padin (percussão), Arsênio Zambrano (charanga), Lalo Gutierrez (guitarra), Raul Barbosa (acordeão) e o próprio Ramirez no piano e cravo.
O grupo Huancara, com instrumentos folclóricos sul-americanos, soma-se ao Coral Salvé de Laredo e a Sociedade Coral de Bilbao, sob regências de José Luiz Ocejo e Damian Sanchez - para dar a esta revisitação de um já clássico trabalho com uma nova voltagem. A própria estrutura da "Missa Criolla" - Kyrie (que sugere, no solo, a imensidão, a solidão e a aridez do antiplano), o Glória (um carnavalito) o Credo, o Sanctus e o Agnus Dei (no estilo campeano) temos as peças que complementam este projeto: "Navidad Nuestra" e "Navidad em Verano", ambas compostas em 1964, em colaboração com o poeta Felix Luna. O primeiro trecho é uma espécie de Cantata, feita de uma série de canções, permitindo a Ramirez conferir um sabor regional a cada episódio da história da Natividade. Já "Navidad em Verano" evoca um Natal do Sul, sem pinheiros ou lareiras acesas, uma invocação de "paz na terra, na terra quente e na que neva".
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