O retrato do que há no cinema brasileiro
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de junho de 1989
Em circunstâncias diferentes, quando a produção cinematográfica ultrapassava os cem títulos - e isto vinha acontecendo até há cinco anos passados - a seleção reunida para a 17ª edição do Festival do Cinema de Gramado poderia ser considerada fraca. Entretanto, numa época em que a produção caiu a níveis mínimos - e nos últimos 18 meses raros foram os projetos que se concretizaram - até que se pode considerar como satisfatória a amostragem entre longas, curtas e médias apresentados durante uma semana (11 a 17 de junho) no mais respeitado festival de cinema do Brasil.
Os seis longas em competição - e os três apresentados hors concours - mais duas dezenas de curtas e média-metragens (em 16 / 35mm) refletem o que se consegue fazer no cinema brasileiro. Em relação ao festival de 1985, quando "Marvada Carne" do paulista André Klotzel levou a maioria dos Kikitos por falta de melhores opções, até que não se pode ser rigoroso demais. Embora o melhor filme do festival tenha sido apresentado hors concours - "Que Bom te Ver Viva!", de Lúcia Murat, documentodrama com depoimentos de oito militantes políticas, presas e torturadas durante os anos mais duros da ditadura militar - o Festival trouxe longas que mostram diferentes caminhos.
Desde uma tênue comédia, por coincidência também partindo do golpe militar - "1º de Abril, Brasil", da estreante Maria Letícia - até um thrilling vigoroso, "A Faca de Dois Gumes", produto comercial de nível e que merecidamente deu ao seu realizador, o carioca Murilo Salles, 37 anos, o prêmio de melhor diretor. O público que se interessa pelo cinema brasileiro pode, este ano, em nove capitais, assistir aos filmes em competição - já que os mesmos foram mostrados simultaneamente. Pena que em Curitiba a freqüência tenha sido mínima: menos de 1.700 espectadores foram ao Lido II para conhecer, em primeira exibição, esta safra de filmes concluídos há poucas semanas - e que só chegarão aos circuitos comerciais a partir de agosto. Falta de recursos, dificuldades de exibição e mesmo um afastamento do público para obras mais audaciosas não tiram o entusiasmo de quem se propõe a fazer cinema no Brasil - e prova disto é que há centenas de projetos nas cabeças de realizadores não só do eixo Rio-São Paulo, mas também em outros estados, conforme mostramos, em breve registro, na página 3 desta mesma edição.
A imprensa nacional - que como sempre faz dá grande espaço a Gramado - destacou a qualidade dos curtas que disputaram na categoria 35mm. Também em 16mm, curtas e médias, houve trabalhos interessantes - conforme registramos no decorrer desta semana. Entretanto, nos longas - que constituem as pedras-de-toque da sobrevivência do cinema brasileiro - é que está o maior interesse para o grande público. Que, sinceramente, esperamos seja grande e justifique a permanência destes novos filmes por várias semanas em cartaz - como, felizmente, "Kuarup" de Ruy Guerra, mesmo com todas as (injustas) críticas recebidas está obtendo (Cinema I, 3ª semana). Ou a comédia "Fogo e Paixão", da dupla Isay Weinfeld e Márcio Kogan, com montagem do curitibano Mauro Alice, também encontrou - razão para sua permanência, no mínimo, até a próxima quarta-feira, no Cine Ritz.
LEGENDA FOTO - Gramado e suas paisagens, o cenário do cinema brasileiro.
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