O testamento amargo que Maurício deixou
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 17 de junho de 1986
No dia 14 de abril recebíamos um depoimento datilografado de Maurício Távora ao qual ele, como bom redator e ex-repórter dava um título direto, objetivo: "O Baiacu Sensual - nosso bom teatro, uma luta contra o descaso oficial". Em 50 linhas, Maurício falava da peça que iria estrear no auditório Salvador de Ferrante (15 a 20 de abril), antecipando temporada no Interior.
Como sempre fizemos, registramos as opiniões corajosas e independentes que Maurício colocava no texto, iniciando já de uma forma que, indiretamente, mostrava seu desgaste físico: "Visivelmente exausto, mas sem perder a disposição, Maurício Távora estréia amanhã, sua nova peça de teatro: "O Baiacu Sensual". Logo adiante, com o intertítulo - Cada vez mais difícil - dizia Maurício:
- "Fazer teatro, no Paraná, é hoje uma tarefa espinhosa. O que era difícil, beira agora os limites do impossível".
Na opinião de Maurício Távora e de inúmeros outros profissionais, "indiscutível e vultosa parcela de culpa cabe às autoridades e órgãos públicos encarregados de nossa política cultural. Não há sobretudo interesse".
- "O Teatro Guaíra não é mais um instrumento, um orgulho, ou sequer um aliado. O Teatro Guaíra, ao que tudo indica, é apenas um entrave, algo que tem que ser "engolido" por governadores, secretários, políticos em geral".
No intertítulo "Não era bem assim", Maurício recordava, nostalgicamente, tempos melhores:
- "Por incrível que pareça, o teatro paranaense já teve dias e anos bem melhores. Quem não se lembra (os muitos jovens talvez não) do pioneirismo e sucesso do antigo Teatro de Bolso, o mesmo que foi demolido, impiedosamente, para dar lugar aos "ônibus expressos" na Praça Rui Barbosa. Ou das produções do Teatro de Comédia do Paraná, grupo então oficial da Fundação Teatro Guaíra (A Megera Domada, Schweyck na II Guerra Mundial, O Livro de Cristovão Colombo e tantas outras)?
O fato é que de 1975 (aproximadamente) para cá o descaso e a incúria passaram a marcar as "atividades" culturais do Estado, principalmente no que diz respeito ao teatro".
Dizia ainda Maurício:
- "Quem perde com isso? Certamente, o público, em primeiro lugar. E perdem os profissionais, obrigados a esforços inauditos e geralmente acumulados. E, também, com certeza, perde o Paraná, cuja imagem de patrono e dinamizador da cultura brasileira vai sendo aos poucos, lamentavelmente, borrada".
xxx
De um release, o texto-depoimento de Maurício Távora Neto (Florianópolis, 11/6/1937 - Curitiba, 12/6/1986) transforma-se num amargo e triste testamento. Palavras sinceras de um homem, intelectual, ator, diretor, produtor, pioneiro da televisão do Paraná, jornalista e redator de propaganda que se dedicou por quase 30 anos à vida artística em nosso Estado. Deixou mais de uma dezena de peças - desde as mais ingênuas comédias dos tempos da Sociedade Paranaense de Teatro, ao lado de seu amigo Ary Fontoura, no antigo Teatro de Bolso - até textos profundos. Do ator que, nas primeiras emissões da TV Paraná, no início dos anos 60, fazia ao lado de sua esposa e companheira, a atriz Jane Martins, a versão local de "Alô Doçura!" ao premiado ator de peças como "Linha de Montagem" e "Rasga, Coração!", grandes momentos como intérprete que os levou a temporadas em São Paulo e Rio de Janeiro. Com a peça de Oduvaldo Viana Filho, que teve sua estréia nacional em Curitiba, ficou 8 meses no Rio de Janeiro e só voltou para dirigir o musical "Oh, Curitiba - Nossa Tribo, Salve, Salve!", musical de Paulo Vítola, que inaugurou o Teatro de Bolso - pálida lembrança da casa que, originalmente, movimentava a Praça Rui Barbosa.
Maurício fez filmes - inclusive do pioneiro Cláudio Eduardo Samuel Arruda, que no início dos anos 60 sonhava em implantar uma indústria cinematográfica de filmes para televisão em Curitiba, deixando em negativos sua imagem de bom ator. Mas acima de tudo, Maurício deixou amigos - que na sexta-feira, com tristeza, acompanharam seu sepultamento no Jardim da Saudade.
A esposa Jane, que com ele dividiu todos os momentos de 26 anos de feliz casamento, companheira nos palcos já que também é ótima atriz. Os filhos Adriano, 25 - seguindo os passos teatrais; Murilo, 23 e Elisa, 21 - lembram o Maurício sempre bem humorado, mesmo em momentos difíceis, enfrentados nestes últimos anos. Esquecido por falsos amigos que com ele conviveram em épocas de vacas-gordas, Maurício jamais fazia reclamações, ao contrário, buscando entender a fragilidade de cada um. Vendo a desgraça cultural que se abateu sobre o Paraná no governo José Richa - do que é prova, a mágoa com que colocou no último depoimento que nos encaminhou - Maurício acreditava ainda em tempos melhores.
Pretendia viajar com seu "O Baiacu Sensual", uma comédia que escreveu em 1985 e na qual lançava uma nova atriz, Adriana Salvador - com figurinos de seu amigo Afonso Burigo, a participação (apenas em voz) de Ali Chaim e músicas de outro amigo, Paulinho Vítola.
Infelizmente poucos foram ver a peça no Guaíra - que chegou até a ter suspensas duas apresentações.
Agora Maurício é saudade. Saudade do amigo, do ator, do profissional - do homem identificado à vida artística de uma cidade cada vez mais triste em seus valores. Maurício morreu e com ele um pouco de uma época do teatro paranaense.
Tags:
- A Megera Domada
- Adriana Salvador
- Ali Chaim
- Ary Fontoura
- Cláudio Eduardo Samuel Arruda
- Fundação Teatro Guaíra
- Jane Martins
- Jardim da Saudade
- José Richa
- Linha de Montagem
- Maurício Távora
- Maurício Távora Neto
- Nossa Tribo
- O Baiacu Sensual
- O Livro de Cristovão Colombo
- O Teatro Guaíra
- Oduvaldo Viana Filho
- Paulinho Vítola
- Paulo Vitola
- Praça Rui Barbosa
- Sociedade Paranaense de Teatro
- Teatro de Bolso
- Teatro de Comédia do Paraná
- TV Paraná
Enviar novo comentário