Suave cítara dos tempos de Avalon
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 21 de maio de 1989
Com uma sonoridade que atua como verdadeiro lenitivo auditivo entre tanto barulho incomodativo apresentado a guisa de música, a chamada "New Age Music" está ampliando seu público muito especial - mostrando que Mirna Gzynski tinha razão ao batalhar pela abertura de espaços para esta forma de criação e execução instrumental, basicamente acústica - e que cresceu nesta década, e a partir do boom mercadológico estabelecido na Califórnia - mas com artistas de várias partes do mundo.
O grupo Eldorado, que bancou a idéia com programas na rádio e lançamentos regulares (a Polygram também fez algumas edições de excelente nível), pensa em patrocinar no final do ano o I Festival de Música New Age. Para tanto, está estimulando edições de prováveis participantes - nomes ainda distantes do grande público mas que começam a se tornar respeitados por quem embarca nas "viagens" sonoras que as suavidade de seus instrumentos, possibilitam.
Um dos possíveis convidados para o Festival é o alemão George Deuter, 44 anos, apresentado no ano passado no elepê "Nirvana Road" e que agora chega com "Cucada" - termo que em inglês significa grilo - e o som dos grilos da noite permeia todo este seu segundo álbum.
Deuter é um multinstrumentista - de flautas, violão e sintetizadores até tablas e outras criações exóticas. Ex-jornalista, Deuter faz um som único e original, que enleva o ouvinte. Outro trabalho precioso em termos de "Música da Nova Era" está em "Sojourn", com composições de Scott Fitzgerald e orquestrações de Rob Whitesideswoo - já conhecidos por alguns trabalhos feitos para cinema. São dez temas, profundamente reflexivos e suaves, conforme o próprio título sugere ("Music of the Heart for Piano and Orchestra"). Em breve, deve chegar outro álbum de um músico iraniano, Shardad Rohani.
O terceiro lançamento da Eldorado traz um instrumentista extremamente original, com uma música que pode até ganhar um marketing publicitário: o som ideal para acompanhar a leitura de "As Brumas de Avalon", o best-seller que tem sua ação na Idade Média. Em "Celti Harp II", Patrick Ball continua a explorar as sonoridades dos séculos XVI e XVII, reunindo com sua harpa toda a atmosfera dos tempos de Avalon. São canções populares irlandesas ou criadas por ele mesmo, mas inspiradas na época. A harpa de Patrick foi desenhada como as daquela época, com cordas de cobre, dificílimas de serem tocadas e que exigem um real expert para produzirem boa sonoridade. O trabalho de Bell insere-se nesta World Music, um som que nada tem a ver com modas ou estilos, mas que fala profundamente. Afinal, o som da harpa celta foi durante décadas a única expressão do norte da Europa e os bardos, poetas cantadores, percorriam regiões encantando o povo com suas histórias. Um disco raro, sensível e delicado.
A New Age Nacional - Embora seja arriscado atribuir títulos e adjetivações, o grupo Uakti, de Belo Horizonte, poderá, tranqüilamente, representar o Brasil no I Festival de Música da Nova Era.
Afinal, há quase 10 anos - e ao longo de quatro elepês - este grupo instrumental criado e liderado por Marco Antônio Guimarães vem apresentando uma música extremamente delicada e suave, voltada quase ao espiritual - mesmo quando busca temas conhecidos. Não é sem razão que Milton Nascimento, profundamente identificado a uma música que contenha mensagem e conteúdo, tenha se entusiasmado com o Uakti, ajudando a sua carreira. O novo álbum do Uakti ("Mapa", Vison), é o trabalho mais profundo entre os que o conjunto já fez, com apenas cinco longos temas - "Dança dos Meninos" (Marco Antônio / Milton Nascimento), "Trilobits" (Décio Paulinho / Marco Antônio), "Mapa", "A Lenda" e "Aluá" (somente de Marco Antônio Guimarães). A oficina instrumental de Guimarães - da qual participam Paulo Sérgio Santos, Arthur Andres Ribeiro e Décio de Souza Ramos, utilizando basicamente instrumentos próprios, por ele desenvolvidos, oferece um trabalho da maior seriedade - admitindo em alguns momentos uma voz especialmente convidada, Inês Brandão.
Um disco especial, que ganhou muito a ter a produção do excelente Carlão, o melhor engenheiro de som do Brasil - e que se constitui em homenagem póstuma a outro grande mineiro, Marco Antônio Pena Araújo (1950-1986), e que se vivo estivesse, também faria uma música para a nova era.
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