Da "Discotheque" a Dom Helder
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 13 de julho de 1977
O som "Discotheque", praga musical desta segunda metade dos anos 70 e que tanto contribui para descaracterizar a música popular, estende-se agora, fonograficamente, aos Estados. Astutamente, a WEA Discos bolou uma série "Hit Discotheque", ouvindo "as sugestões da discotecas mais quentes do Brasil". Cada programador de casas noturnas das capitais fez uma indicação de um hit de preferência de seus jovens fregueses e o resultado é uma produção [liqüefeita] para o consumo, embora na linha do "disco descartável". De Curitiba, a opinião solicitada foi de Beto Ribas, que vem faturando muito a custa do som estrangeiro em sua "Jackie O", que indicou "You'll Never Find", com o grupo The Impressions.
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Os malefícios das "discotheques", em termos de desemprego de músicos e descaracterização da música popular têm sido tão grandes que as autoridades, afinal, acordaram e dentro de poucas semanas deverá surgir uma rígida portaria disciplinando o setor. Afinal, os donos das "[Discotheques]", que faturam fácil à custa do som importado utilizando apenas fitas e tirando o mercado de trabalho dos instrumentistas e cantores, será obrigados a pagar no mínimo uma taxa de 10% à Ordem dos Músicos. Um dos fatores que mostraram o desamparo que se encontra o músico brasileiro foi a tragédia do violonista Macumbinha, em São Paulo, na semana passada: sem condições de trabalho, o popular instrumentista, assassinou sua mulher e filhos e suicidou-se.
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Mas para compensar as edições de som internacional dentro do esquema que traçou para sua ação no Brasil, a WEA Discos, que aqui representa a poderosa Warner Comunications", fez um dos mais [importantes] lançamentos do ano, em termos de documentação: Dom Helder Câmara, bispo de Olinda, Pernambuco, uma das personalidades mais combativas e admiradas dentro da Igreja, dizendo trechos de seu último livro, "O Deserto é Fertil". Acompanhado de um eclesiástico órgão bachiano e a bateria de Chico Batera, investida da necessária solenidade, por vezes um leve vocal e cordas ao fundo, o elepê produzido por Mônica Ribeiro Neves é sem dúvida, um documentário dos mais interessantes que a WEA lança através do selo Nonesuch. Este tipo de gravação ainda raro no Brasil, nos EUA e Europa é comum - encontrando amplo mercado. Hoje, por exemplo, estão valorizadas gravações com as vozes de Carlos Lacerda, com "O Caminhão do Povo", no qual foi gravado "O Improviso" feito no caminhão alugado no qual Afonso Arinos, Raul Brunini e Carlos Lacerda, em nome da UDN, percorreram, em 1958, as ruas do Rio de Janeiro, "para falar ao povo o que não lhe podemos dizer em suas casas", como dizia Lacerda na contracapa do disco, vendido a Cr$ 200,00 (antigos) na época, convidou Lacerda para gravar trechos de "Julio Cesar", a tragédia de Shakespeare, num disco também há muitos anos esgotado.
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