Os nossos sambas-de-enredo improvisados na hora final
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 02 de fevereiro de 1989
Com exceção da Escola de Samba Embaixadores da Alegria, a mais antiga (42 anos) da cidade, todas as agremiações carnavalescas da cidade só lembraram-se "em janeiro de que o regulamento do desfile oficial nas noites de sábado e domingo exige que sejam apresentados os sambas-de-enredo originais ligados ao tema abordado pela escola". Resultado: nas últimas três semanas os (poucos) compositores da cidade, ligados ou não às escolas, foram caçados a laço para improvisarem os sambas-de-enredo que estarão em julgamento neste Carnaval.
Só este fato - contado por Nelson Santos, 55 anos, 32 de Carnaval, coordenador administrativo do Carnaval-89, dá bem a idéia de como o nosso Carnaval é improvisado.
Nelson também é um bom compositor, autor de dezenas de sambas-de-enredo e que pela terceira vez fez a música para o G.R.E.S Consulado, de Florianópolis (este ano com o tema "Moro no mundo, passeio em casa", inspirado na dura vida dos caminhoneiros). No passado, Nelson fez sambas de Curitiba, mas agora devido ao fato de ser um dos responsáveis pela organização da festa, "por uma razão ética", preferiu afastar-se. Em compensação, em Florianópolis, é nome dos mais conhecidos e o belo samba que fez para o Consulado está sendo bastante divulgado nas emissoras AM/FM da ilha já há meses, pois, organizadamente, a escola cuidou de fazer uma boa gravação para que todos ficassem conhecendo o samba.
Embora em Curitiba, com raríssimas exceções, tanto de diretores artísticos como, especialmente de programadores de nossas emissoras não façam nada para divulgar os compositores e artistas da terra, no que concerne aos sambas-de-enredo a culpa é das próprioas escolas-de-samba. Todos os anos há promessa de que os sambas serão escolhidos a partir de outubro/novembro, para haver tempo de se fazer ao menos gravações em cassete, com mínimas condições de serem incluídas na programação. E no ano após nada acontece. Só nesta semana é que as Escolas de Samba Deu Zebra no Batuque, Mocidade Azul e Embaixadores do Samba procuraram a Rádio Independência para, em seus estúdios, gravarem as músicas com que pretendem "fazer o povo cantar na avenida".
Mas quem é que vai cantar um samba-de-enredo que ninguém conhece?
Melancolicamente, há vários anos que se observa os próprios integrantes das Escolas desfilarem em silêncio, por desconhecerem a letra dos sambas - enquanto o puxador tenta mostrar a composição. Afinal, com a música ficando pronta poucos dias antes do Carnaval não há mesmo condições de fazê-la popular.
Há compositores da terra que há anos, generosamente, sem receberem sequer os direitos autorais que teriam direito, colaboram na criação dos sambas-de-enredo. O mais veterano de todos é o advogado e professor Carlos Eduardo Mattar, 59 anos, 48 de Carnaval, que este ano fez o samba para a Mocidade Azul ("A Viagem da Ilusão").
Mario e Maurício fizeram sambas-de-enredo para duas escolas: homenageando Clara Nunes (1943-1983) para a Zebra no Batuque e, Catulo da Paixão Cearense (1866-1946) que é o tema da Embaixadores da Alegria.
Uma grata novidade: o aparecimento de uma mulher, mãe Elenir, como autora do samba-de-enredo da Unidos da Zona Sul - escola formada pela fusão das antigas Frei Miguel e Portão I, que sairá com o enredo "O Reino da Ilusão".
Glauco Flores de Souza Lobo, 50 anos, 44 como carnavalesco (aos 6 já tinha seu bloco infantil), líder umbandista, ex-industrial, ex-secretário de Turismo, de organizador da festa nestes últimos 5 anos, passa a ser tema: a Garotos Unidos desenvolveu o enredo sobre o seu trabalho multifacetado, com passagens pela área empresarial e sonhos políticos. Laé, compositor e diretor da escola, fez o samba exaltando as virtudes de Glauco - que aliás rompeu com o ex-prefeito Roberto Requião poucas semanas antes das eleições, apoiou Jaime Lerner e apesar de um forte lobby para continuar na pasta do Turismo acabou sendo rifado - com a ida para aquele cargo do ex-deputado Amadeo Geara. Pedetista entusiasmado com a campanha de Leonel Brizola à presidência da República, Geara pegou um abacaxi nas mãos: sentindo-se como um peixe fora d'água em termos carnavalescos enfrentou a irritação dos dirigentes das escolas de samba pela pequena ajuda financeira (apenas Ncz$ 23,30 para cerca de 20 agremiações, incluindo blocos carnavalescos) e mesmo a falta de estrutura - já que dois dos mais experientes organizadores dos Carnavais anteriores - Julinho de Adelaide (Souza) e Tina Camargo se afastaram da Secretaria. Em compensação há a experiência e dinamismo de Nelson Santos, auxiliado por Domingos Antonio Calva e Samuel Tibiriça que em menos de um mês vem cruzando a madrugada para tentar viabilizar o Carnaval. Que acontece sem decoração, pouquíssimos recursos e em clima de pessimismo - mas que nem por isso deixa de acontecer.
A maioria das escolas, tanto do primeiro (que desfilam domingo), como do segundo grupo (que se apresentam sábado) saem com homenagens. Se a Embaixadores da Alegria e a Deu Zebra no Batuque optaram por homenagear Clara Nunes e Catulo da Paixão Cearense a Imperadores Independentes escolheu como tema o paulista Adoniram Barbosa. Dom Pedro II homenageia o seu próprio dirigente, Jubal de Azevedo, 54 anos, 31 de Carnaval, enquanto a Sapolândia - com samba-de-enredo de Julinho Souza - reverencia o admirável Lafayette Queirolo, último remanescente da tradição circense paranaense. Alfredo Chaves, fundador do município de Colombo, é o homenageado pela E.S Unidos de Colombo, com o samba de Nadinho e Mosca.
Pelo visto um festival de homenagens (e auto-homenagens) nas escolhas dos enredos de nossas escolas-de-samba.
LEGENDA FOTO 1 - Clara Nunes, homenageada pela Zebra no Batuque.
LEGENDA FOTO 2 - Glauco: de comandante do Carnaval a enredo da Garotos Unidos.
LEGENDA FOTO 3 - Adoniran Barbosa, tema dos Imperadores Independentes.
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