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Aramis

Paraná sepultou a Campanha da Kombi

Ao invés da comemoração, o réquiem: no 10º ano da Campanha da Kombi, este projeto idealizado há uma década quando Orlando Miranda assumia, com muito idealismo, o então Serviço Nacional de Teatro, parece ter mesmo o seu canto-de-cisne. Ao menos, se depender dos resultados em Curitiba, onde nem sequer uma Kombi saiu às ruas para a venda de ingresso dos espetáculos apresentados no Teatro da Classe. Aliás, de pouco adiantaria, pois nunca houve uma temporada tão clandestina como a das duas etapas da Campanha: inicialmente, entre 28 de novembro a 19 de dezembro, 8 grupos adultos e 6 infantis teriam se apresentado naquele teatro. Agora, consta que entre 9 de janeiro a 2 de fevereiro, mais 7 grupos infantis e 5 adultos ali estão levando espetáculos artísticos. Consta, porque, por incrível que pareça, em momento algum, houve qualquer preocupação dos responsáveis pela Campanha - a Associação dos Produtores de Arte Cênica - em sequer comunicar aos veículos de informação as fichas técnicas e horários dos espetáculos. O resultado não poderia ser outro: ausência total de público, tanto na primeira etapa como agora, nesta segunda tentativa. xxx José Basso, 48 anos, ex-presidente da Associação dos Produtores de Arte Cênica - e atual diretor-superintendente da Fundação Teatro Guaíra, concorda: o fracasso total do projeto deste ano deve representar a pá de cal na campanha. No ano passado, quando presidia a Associação, Basso chegou a alugar uma Kombi para tentar motivar a venda de ingressos (então a Cr$ 5 mil). Em duas semanas, vendeu apenas 3 (três) entradas. Como os grupos haviam recebido subvenções, teve uma idéia simpática: levou os espetáculos a orfanatos, asilos, presídios e outras instituições de assistência social. "Mesmo sabendo que a finalidade da campanha não é esta, mas sim a de popularizar o teatro", diz. Marcelo Marchioro, ex-diretor de arte e programação da Fundação Teatro Guaíra, hoje diretor de teatro, lembra que a Campanha da Kombi foi criada, no eixo Rio-São Paulo, para servir de sustentação aos grupos teatrais que estejam apresentando espetáculos no final do ano - época considerada de vacas magras naquelas praças em termos de espectadores. Assim, com a subvenção é possível vender ingressos a preços simbólicos (10 mil), estimulando o público a ir ao teatro. Como os ingressos eram vendidos em kombis do antigo SNT - (hoje Instituto Nacional de Artes Cênicas), a campanha recebeu este nome. Em Curitiba entretanto - lembra Marcelo - a campanha nunca pode ter esta finalidade: inexistindo uma programação regular, todas as companhias que montaram algum espetáculo nos últimos meses, julgam-se com o direito de ser beneficiadas com a subvenção e fazem apenas remontagens. Independente do aspecto estético/artístico das peças apresentadas em dezembro e agora pelos 26 grupos (15 adultos e 11 infantis) beneficiados com uma subvenção total de Cr$ 120 milhões (o que dá menos de Cr$ 5 milhões a cada), o que acontece é vergonhoso: na pressa de apanharem esta migalha financeira, os nossos artistas fazem remontagens das mais sofríveis para um público mínimo. Além das férias e esvaziamento natural da cidade - (em dezembro, especialmente pelas festas de fim de ano) a inexistência de qualquer esquema promocional (mesmo defronte o Teatro da Classe, na Rua 13 de Maio, inexistem painéis e cartazes informando as peças a serem apresentadas) faz com que as sessões sejam canceladas por não aparecer um único espectador. xxx Humberto Braga, assessor executivo de Carlos Miranda, presidente do Inacem, admite a indispensável necessidade de uma reestruturação da Campanha. Se no Rio-São Paulo ainda há resultados positivos, o que vem se repetindo em Curitiba - e chegando ao nível de maior gravidade neste ano - chega a tornar criminosa a pulverização de recursos que a Associação dos Produtores de Arte Cênica poderia aplicar na produção de dois ou três espetáculos de nível. O Inacem exigirá, em março, um detalhado relatório de como se processou a campanha no Paraná; o presidente da Associação, Eneas Lour, terá que mostrar tristes dados reais - a não ser que os borderaux sejam tratados da mesma forma como o governo faz com os dados da inflação e desemprego. Braga lembra que o Inacem repassa a verba às Associações de Produtores de Arte Cênica - existentes hoje em 7 Estados - para que estas desenvolvam o projeto. Em anos anteriores, entretanto, havia da parte da Associação dos Produtores de Arte Cênica no Paraná, o bom senso de ao menos analisar as peças merecedoras de auxílio, [evitando], assim, estímulo a montagens de nível amadorístico, improvisadas e que só colaboram para afastar cada vez mais o público do teatro. Em dezembro, em nome de uma discutível democratização dos recursos da Campanha - 96 milhões vindos do Inacem, mais Cr$ 24 do governo do Estado, totalizando assim Cr$ 120 milhões - o rateio foi idêntico entre todos os inscritos. Se de um lado pode ser simpática a equiparação, de outro funciona como desestímulo a grupos profissionais que existindo há anos, fazendo produções mais bem acabadas e naturalmente mais caras, recebem o mesmo do que uma "encenação" improvisada, somente para fazer jus à ajuda oficial. Euclides Coelho, 48 anos, fundador e diretor do Teatro de Bonecos Dadá - hoje uma das companhias mais respeitadas no Brasil (e mesmo exterior), ex-presidente da Associação Nacional de Teatro de Bonecos, com independência e dignidade (características aliás de sua personalidade, desde seus tempos de líder estudantil quando aluno do curso de Engenharia da UFP) denuncia o que chama de "escândalo cultural" em que foi transformada a "Campanha da Kombi" no Paraná. E com justa razão, revolta-se de ter seu grupo - fundado há mais de 20 anos, curriculum dos mais notáveis - igualado a anônimos mambembes, surgidos não se sabe de onde. Outro produtor-diretor-ator, José Maria Santos, 52 anos, 32 de teatro, corajoso e sempre sabendo fazer as denúncias necessárias, há muito classifica a "Campanha da Kombi" de "Sopa dos pobres", discordando dos critérios com que ela acontece em Curitiba. Enfim, são dezenas de vozes - entre nomes respeitados do teatro paranaense - que denunciam a desorganização, falta de critérios e verdadeira picaretagem em que foi transformado um projeto que com Cr$ 120 milhões poderia resultar em boas montagens, num real estímulo ao nosso tão cambaleante teatro, mas que fracassou vergonhosamente mais uma vez.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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14/01/1986

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