Quem diria, Espedito acabou como escultor
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 22 de outubro de 1983
Nas primeiras horas que se sucederam à revolução de 31 de março (ou seria 1º de abril?) de 1964, um dos líderes sindicais mais << caçados>. no Paraná foi Espedito Oliveira da Rocha, então com 43 anos e que presidiu o Sindicato dos Empregados nas Indústrias Químicas. No edifício Mauá, na Rua José Loureiro, o sindicato presidido por Espedito - dividindo o mesmo conjunto no qual funcionava o Sindicato dos Empregados nas Empresas de Transportes Coletivos - era dos mais movimentados. Coincidências ou não, no mesmo andar, o histórico Agliberto Azevedo mantinha a sucursal do jornal << Novos Rumos >>, do PCB - razão para fazer com que aquele endereço fosse o primeiro a ser visitado pelos agentes do DOPS, comandados pelo delegado Miguel Zacarias (falecido há três anos).
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na confusão que marcou os primeiros dias da repressão, as notícias sobre o destino de Espedito eram as mais pessimistas: havia resistido à prisão e sido fuzilado, fora esquartejado e tivera os pedaços de seu corpo jogados no Rio Iguaçu, estava a caminho do Paraguai, mas fora preso em Cascavel, etc. Enfim, enquanto a maioria dos líderes sindicais, estudantis, políticos, profissionais liberais, etc., eram presos em Curitiba, sem maiores violências, do Espedito ninguém sabia nada. Ou se sabia, nada se dizia com precisão. O tempo passou e ficou a lenda: Espedito, o único líder sindical do Paraná assassinado na revolução de março (ou abril?) de 1964.
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O tempo passou, veio o AI-5, a guerrilha urbana, a repressão mais violenta, o exílio de tantos, mortes de outros, etc. E de Espedito nem notícia. Para a Maioria silenciosa, a sua morte era aceita como um fato pacífico. E lembrado com nostalgia em intelectuais conversas de bares. A anistia do governo João Figueiredo fez com que entre tantos retornados, acontecesse o reaparecimento de Espedito, Lépido, tranqüilo, bem-humorado, voltou a Curitiba e logo se engajou na luta política-partidária - tanto é que auxiliou a campanha de muitos amigos dos anos 60 para chegarem à Assembléia e à Câmara. Filiado ao PMDB, seu nome está entre os que compõem a chapa oficial que disputará o diretório regional no próximo dia 22, Enfim, Espedito, coerente com sua ideologia, retornou à cidade e à participação nas lutas políticas. Mais amadurecidos, com muitas estórias, dos quase 15 anos que passou na clandestinidade. Mas uma outra surpresa no Espedido-83, aos 62 anos, 5 filhos, 3 netos: o seu lado artístico. O artesão em madeira, criativo e original, que após expor na Casa da Cultura Tomas Edison de Andrade Vieira, em Campo Mourão (em maio/junho último), inaugura terça-feira, 25, sua individual na Casa Romário Martins. Um vernissage que, por certos, terá um prestigiamento político dos mais inflamados que já se viu na história das artes plásticas do Paraná.
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Antes de expor em Campo Mourão, Espedito já havia mostrado suas esculturas na galeria Sesc-Carmo, em São Paulo, quando mereceu uma bela apresentação no catálogo, com afirmações como estas: << Espedito Oliveira da Rocha é um desses homens que desafiam as injunções próprias de quem é ligado ao mundo do trabalho. Nascido em 1921, no Paraná, veio conhecer o mundo pelos áridos caminhões do sertão de Pernambuco, de onde é originária toda sua família. O povo de Águas Belas (PE) viu, um dis, o filho mais novo de Caetano Rocha, um velho camponês sair de casa como acompanhante de << santeiro>.. Correu Pernambuco, Alagoas e quase todo o Brasil, dedicando-se às mais variadas profissões, desde torneiro mecânico, pedreiro, carpinteiro, vaqueiro até camponês. Na cartilha mais difícil aprendeu a vida por ela própria. E hoje, aos 62 anos, transformou em poemas de arueira, pérola e cedro tudo o que viu e viveu. Seu avô jamais poderia supor que aquele menino de opinião, atarracado e forte que, em vez de raspar a mandioca para a farinheira, passava horas entalhando figuras, iria, um dia, produzir essa obra magnífica que é, antes de tudo, uma reportagem, de nosso tempo >>.
FOTO LEGENDA - Espedito: da clandestinidade à arte
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