Sinceridade argentina e a decadência da Colômbia
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 02 de dezembro de 1986
A crítica foi implacável mas "Gerônima", o candidato da Argentina nesta terceira edição do FestRio, pode sair com uma premiação: o Prêmio OCIC, da Organização Católica de Cinema. Afinal, dos filmes em competição vistos até a metade do festival, esta fita pobre, humilde, realizada com muitas dificuldades, tem grandes aspectos humanos.
Gerônima é uma mulher mapuche que não resiste à aculturação a que é submetida. Supostamente, bem intencionada a "ajuda" leva à destruição de sua família: ela e dois de seus quatro filhos morrem devido à contaminação de doenças que apanharam no hospital, ao qual foram internados à força em 1976.
Filmado na Patagônia, num ambiente de miséria e desolação, o filme mostra os riscos de retirar um grupo familiar de seu meio ambiente natural - por mais pobre e miserável que o seja - e tentar uma integração "civilizada". O que acontece com Gerônima e sua família já repetiu-se dezenas, centenas de vezes em outras comunidades indígenas em tantos países - especialmente na América Latina.
Dirigido por Raul Tosso, o fio condutor do filme é a gravação de uma consulta psiquiátrica feita em Gerônima pelo Dr. Jorge Pellegrini, no hospital e General Roca, província do Rio Negro (Argentina), reproduzida, em parte, na trilha sonora. As seqüências foram filmadas exatamente nos locais onde os fatos aconteceram há 10 anos passados: Trapalco, El Cuy, General Roca e Patagônia. Gerônima é recriada por Luísa Calcumil, atriz local de origem mapuche.
O filme é deficiente tecnicamente. E neste aspecto, por certo, foi arrasado em termos estéticos pelos críticos mais exigentes. Mas é um documentário humano, profundo e social - com toques antropológicos e que mostra um outro lado do cinema argentino, que há dois anos trazia ao FestRio uma comédia ("A Carroça") e que, em 1985/86, explodiu com uma nova geração de realizadores.
Cinema latino
"A Mansão Araucaima", de Carlos Mayolo, representante da Colômbia, foi mais decepcionante do que "Carne de Tu Carne", do mesmo diretor, concorrente há dois anos. De um romance de Álvaro Mutis - que, no passado, chegou a estar nos planos de Luís Buñuel - "A Mansão Araucaima" é uma frustração. Por mais boa vontade que se tenha com o iniciante cinema colombiano - é difícil justificar um filme como este - cuja história sobre a desestabilização que uma ninfeta-atriz provoca dentro de um grupo social que vive numa mansão em decadência, lembra, de princípio, tanto "Teorema" (Pasolini), "O Anjo Exterminador" (Buñuel) e "Crônica da Casa Assassinada" (Sarraceni), mas sem os méritos destes filmes. Embora com requinte na realização (fotografia razoável) -, e tendo no elenco dois atores brasileiros - José Lewgoy e Antônio Pitanga, o filme não resiste. E, para um país que no anos passado levou o Tucano de Ouro com o seu western-andino "Tempo de Morrer", fica uma grande frustração.
O cinema cubano, que começa agora a ser mais conhecido no Brasil, concorre no FestRio com "Plácido", de Sérgio Giral, 50 anos. Elaborado com palavras, alegorias e simbolismos dos textos do poeta cubano Plácido, o filme tem, em sua primeira parte, conotações sociais - abordando a cultura popular daquele país no século XIX. Um filme de preocupações literárias e sociais.
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