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Aramis

Um lobo nas telas com belo colorido

"Ele é o selvagem que detesta a civilização opressora, um titã que, invejoso do Criador, fabrica sua criação própria. Ele é o contestador e provocador que prefere achar que o céu é vermelho, em vez de azul como a maioria". (Augusto Strindberg, escrevendo sobre a arte de Paul Gauguin, em fevereiro de 1895). Há 33 anos, Antonhy Quinn, no vigor de seus 41 anos, recebia o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua atuação como o pintor Paul Gauguin (Paris, 1848-Atuona, Ilhas Marquesas, 1903) em "Sede de Viver" (Just for Life), a cinebiografia que Vincente Minelli (1902-1986), realizou sobre o pintor holandês Vicent Van Gogh (Groot, Zundert, 1853 - Auvers-sur-Oise, 1890). Kirk Douglas, o intérprete de Van Gogh, concorreu ao Oscar de melhor ator mais perdeu para Yul Brynner (por "O Rei e Eu"). Quinn , aparecia na tela apenas 8 minutos, mas a sua atuação foi tão vigorosa que mereceu a estatueta dourada. Em "Gauguin - Um Lobo atrás da Porta" (Cine Luz, 5 sessões), é focalizado um curto - embora importante - período da vida de Gauguin: a sua chegada a Paris, em 1893, vindo do Taiti, trazendo dezenas de telas impregnadas com o espírito das ilhas do Pacífico, até o seu retorno, ao Taiti, onde iria morrer 9 anos depois. Van Gogh já havia morrido há cinco anos - e do amigo, Gauguin conservava três de suas mais belas [telas], que só no final, para conseguir dinheiro para retornar a Hiva-Oa, uma das Ilhas Marquesas, acabou vendendo por apenas 1.500 francos. Como Van Gogh, Gauguin foi um artista angustiado e jamais reconhecido em sua genialidade enquanto viveu. Sua exposição em Paris, organizada por um marchand, Julian (Henrick Larsen) fracassa em termos de vendas. Abalado e individado, enfrenta problemas de relacionamentos com sua ex-amante, Juliette (Fanny Bastien), que havia deixado grávida - e que agora lhe apresenta seu filho de dois anos. Com o fracasso de sua exposição, sobrevive com a herança deixada pelo seu titio Zizi - mas reclamada também por sua esposa, a dinamarquesa Sophie Bad (no filme, com o nome de Mette, interpretada por Merete Voldstedlund), que havia abandonado, e aos seus 4 filhos, em 1873. Seu caráter difícil o leva a atritar-se com os poucos amigos - mas o dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), embora não apreciando a sua pintura, reconhece seus méritos e faz uma carta que ele utiliza no prefácio do catálogo de sua última mostra - quando vende as telas para arrumar dinheiro e retornar as Ilhas Marquesas. Ali, escreveria: "Não entendo a pintura dele nem gosto dela. Espero que essa minha confissão não vá surpreendê-lo nem magoá-lo. O ódio e a antipatia que são características dele já bastam para provocar, parecendo desnecessário infundir-lhe força, porque sei que o que ele quer é defender a própria integridade, ainda que isso lhe custe a solidão e a incompreensão". O pintor Edgar Degas (Paris, 1834-1917) foi um dos poucos a reconhecer a genialidade de Gauguin (mas nunca se tornaria seu amigo), a quem chamava "lobo". À adolescente Judith (Sofie Gabroel), 14 anos, apaixonada por ele durante o tempo em que viveu na casa de seus pais, pergunta a razão da adjetivação, e Gauguin explica: "Um lobo preferiria morrer de fome do que usar uma coleira como sua bem nutrida e domesticada contraparte, o cão". xxx Realizado pelo cineasta dinamarquês Henning Carlsen, 62 anos, 31 de cinema, mais de 50 documentários e 15 longa-metragens - um deles, "Hunnger" (1966) premiado em Cannes, "Gauguin - Um Lobo atrás da Porta", é um belíssimo filme. A fotografia de Mikail Salomon procurou, naturalmente, a fixação das cores e nuances da própria obra pictórica do artista biografado - assim como Cedric Gibbons, diretor de arte em "Sede de Viver", preocupou-se em reproduzir, nas imagens, o clima das telas de Van Gogh. Um filme esmerado, profundo e denso no enfoque do drama de um artista de extrema sensibilidade mas com dificuldades de relacionamento, em problemas financeiros e com as mulheres - "Oviri" (título original em dinamarquês; na cópia dublada em inglês chama-se "Wolf at the Door") é uma obra importante para ser vista - especialmente por quem se interessa pelas artes plásticas. Donald Sutherland, ator dos vigorosos - e que ao longo de sua carreira tem sido requisitado pelos melhores cineastas (Bertolucci em "1990"; Schelesinger em "O Dia do Golfinho"; Fellini em "Casanova"; Robert Redford em "Gente como a Gente", etc.), compõe Paulo Gauguin - em sua aparente antipatia, mais a profunda solidão e frustração de um artista incompreendido em sua época. Max Von Sydow como Strindberg também impressiona nos poucos minutos que aparece em cena. Embora já disponível também em vídeo, "Gauguin - Um Lobo atrás da Porta" ganha muito em sua projeção na tela ampla. Pena que, mais uma vez, a Fundação Cultural tenha deixado de promover melhor o filme, quando poderia - com um simples trabalho de uma pré-estréia junto à comunidade artística - atingir professores e estudantes da Escola de Belas Artes e também nossos artistas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
04/05/1989

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