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Aramis

"Geraes" de Milton

No intervalo de "Geraes" (sexta-feira, auditório Bento Munhoz da Rocha Neto), os músicos que acompanharam Milton Nascimento indagavam: "Mas o que é que está havendo com o público?". Acostumados ao delírio das milhares de pessoas que, nas apresentações deste espetáculo, em grandes estádios (Maracanãzinho no Rio, São Paulo, Salvador), já somam quase 100 espectadores, Paulinho Jobim e Danilo Caymmi, mostravam-se surpresos. Embora o auditório do Guaíra estivesse lotado, com mais de 200 pessoas espalhadas pelos corredores, os aplausos eram esparsos nos primeiros momentos. Brincando, Danilo disse: "Vamos ver se no segundo tempo a coisa melhora: sai Brandão e entra Coutinho". E, realmente melhorou. Embora as músicas novas, do álbum "Geraes" (Odeon, dezembro/76) ainda não entusiasmassem a jovem platéia, quando Milton cantou "Fé Cega, Faca Amolada" "San Vicente" e, principalmente, "A Flor da Pele", os aplausos foram ensurdecedores. "Travessia", a primeira música que projetou Milton (FIC, outubro/67), veio a pedido do público e só não foi a última porque três números extras - e muitos mais haveriam se as luzes não tivessem sido acesas. Mais admirável do que as belíssimas músicas de Milton e seus parceiros, e suas interpretações personalíssimas, foram os arranjos, divididos entre Dorival Caymmi, Nelson Angelo e Novelli, que deram um exemplo de como uma grande banda pode ser contida e não interferir no trabalho vocal. Durante as duas horas de musicalidade não houve uma única vez excessos de qualquer instrumentista, ao contrário uma integração perfeita, com as cordas (Henrique Drach e Jacquinho Morelembaum nos celos; Ivam Sérgio e Amelio nas violas) e as flautas (Danilo, Paulinho, Nivaldo Ornellas e Paulo Guimarães) completando a bateria (Nenê), teclados (Zé Roberto), baixo (Novelli) e guitarra (Nelson Angelo). Praticamente o único instrumentista a ter alguns momentos de solo foi o notável Nivaldo Ornellas, dividindo-se entre a flauta e o saxofone. Em linguagem simples poderia se dizer que "Geraes", assim como LP, é o exemplo da harmonia e equilíbrio musical, em que cada instrumentista cumpre o seu papel - deixando o cantor livre. Com isso, em nenhum momento, há qualquer interferência sonora agressiva - tão comum nos espetáculos de música popular com os chamados "grupos da pesada". Lembre-se, entretanto que os instrumentistas reunidos para esta superprodução não poderiam ser melhores. Músicos de uma geração altamente consciente e que desenvolvem um trabalho integrado - na linha de Egberto Gismonti e Milton, os quais, para nós, junto a Hermeto Paschoal, complementam a trindade absoluta da música brasileira - sem rótulos de popular ou contemporânea, pois fundem correntes e estilos - dos anos 70. Neste 1977, acredito que o primeiro evento realmente importante a ocorrer é esse: um disco (e um "show") como "Geraes" atingir um público tão numeroso sendo um trabalho tão consciente, tão artisticamente perfeito. Como Chico, vendendo milhares de cópias com seu "Meus Caros Amigos" (Philips, dezembro/76), "Geraes" é a prova de que afinal nem sempre o público consome apenas músicas comerciais e medíocres estilo Benito Di Paula. Muito pelo contrário! Paulo Pila, o gaúcho que até há alguns meses atrás era conhecido como o "brazilian boy friend" de Raquel Welch, montou um superesquema defensivo do "Bituca", como os amigos chamam o mineiro Milton Nascimento. Só chegou no teatro 5 minutos antes de entrar no palco e no intervalo e final ficou enclausurado num dos camarins. Os fãs só conseguiram seu autógrafo no momento em que descia as escadas. Paulinho Jobim, 25 anos, primogênito de Antônio Carlos, arquiteto profissionalmente (trabalhava até há pouco com a equipe do Oscar Niemeyer e agora montou o seu escritório) e músico eventual, só lamentou não dispor de tempo para conhecer melhor Curitiba. Por isso alegrou-se ao saber da possibilidade de "Geraes" ter um replay, já que quase 2 mil pessoas não puderam assistir a esta única apresentação de Milton Nascimento pela simples razão de que os ingressos esgotaram-se já na quarta-feira. Uma prova do entusiasmo que Milton Nascimento provoca em certas faixas de consumo é esta estorinha: Tânia Malbi, atriz, ex-cantora e jornalista, de "O Globo", como não pode assistir a Nascimento em sua apresentação no Maracanãzinho, há um mês, veio de carro até Curitiba especialmente para acompanhar o ídolo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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13/03/1977

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