Esperando Rouanet, cineastas no astral otimista de Gramado
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de agosto de 1991
Gramado, A chuva e o frio - menos intensos do que se poderia esperar neste inverno - não prejudicam o bom astral que marca o mais prestigiado dos festivais do cinema brasileiro. Apesar do público reduzido na abertura, segunda-feira à noite, quando "Os Desertos Dias", de Fernando Severo, foi o primeiro curta projetado na tela do cine Embaixador, esta 19ª edição do festival que coincide com o sancionamento, amanhã, quinta-feira, em Brasília, da lei que com o nome do atual Secretário Nacional da Cultura, faz renascer as esperanças dos produtores culturais do Brasil. O próprio secretário Sérgio Paulo Rouanet está sendo aguardado na sexta-feira, para, num diálogo franco com dezenas de realizadores aqui presentes, anunciar medidas mais concretas - do que as tênues (e diplomáticas) promessas feitas em Brasília, há um mês, que possibilitem o reaquecimento do cinema brasileiro.
O fato de mais de 50 filmes - entre longas, curtas e médias - terem sido inscritos para este Festival, do qual uma comissão de seleção extraiu os trinta que estão em competição, prova de que mesmo com o sancionamento dos financiamentos oficiais e privados - extinção da Embrafilme em 16 de março do ano passado e desestruturação da Lei Sarney - não impediram que, tal como o mitológico pássaro Fenix, o nosso cinema mostre o seu vigor em filmes realizados com, no mínimo idealismo e entusiasmo, como os que aqui estão sendo mostrados. Ao contrário do que aconteceu em Curitiba - quando de seu lançamento no cine Ritz e no XXIV Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, há um mês, "Rádio Auriverde" foi exibido sem qualquer manifestação dos expedicionários da FEB. Ao contrário, um pequeno público o recebeu com apatia, sem qualquer entusiasmo. Aplausos moderados foram dados aos dois curtas exibidos no início da sessão - "Os Desertos Dias", de Fernando Severo, rodado em Morretes, Antonina e Ilha do Mel e "Moleque de Rua - O Nobre Pacto", do paulista Márcio Ferrari, um musical-documentário sobre a banda de garotos da periferia de São Paulo que há 18 anos utiliza instrumental confeccionado com latas.
Perspectivas
Dos dez longas inscritos, a comissão de seleção decidiu programar os oito que, de uma forma ou outra possam mostrar o cinema brasileiro como está neste momento de crise. Assim, mais do que julgamentos estéticos e políticos formais, o júri formado por Miguel Faria Jr; cineasta carioca que levou 12 Kikitos em 1990 com "Stelinha" (programado para estrear sexta-feira, no cine Ritz), compositor Geraldo Flach, montador Giba Assis Brasil, cineasta Tizuka Yamasaki, Guido Araújo, diretor da Jornada Internacional de Cinema da Bahia e Edmar Pereira, jornalista do "Jornal da Tarde" (SP), procurará nos filmes em competição aspectos que justifiquem os destaques para premiações neste evento cujo troféu - simbolizando o Deus da Alegria, o Kikito - criado pela Artesã Elisabeth Rosenfeld (já falecida) - tem, um sentido simbólico para uma indústria cultural que atravessa uma séria crise. Ontem a noite foram exibidos os longas "Manobra Radical", de Elisa Tolomelli, produção de US$ 600 mil, financiada através de patrocinadores (sem qualquer participação oficial), que busca o público jovem, "Sou de uma geração que assistia o cinema nacional pelo prazer, sem a chatice que afastou posteriormente as faixas adolescentes" nos dizia ontem a diretora Elisa Tolomelli, 31 anos, ex-publicitária, que chegou a direção a partir de um trabalho de roteirista e assistente com seu ex-marido, Alberto Salvá, em "A Menina do Lado" que aqui concorreu em 1988. Com uma linguagem descontraída, jovem - falando de surfistas, trilha sonora de Philippe Seabra com muito rock - "Manobra Radical" teve o seu lançamento em março no Rio de Janeiro - o primeiro filme brasileiro a estrear nos últimos 12 meses - e já foi levado, com relativo sucesso a Fortaleza, Belém, Maceió e Vitória.
O Segundo longa da noite foi "A República dos Anjos", de Carlos Del Pino, superprodução de US$ 1 milhão, foi rodado em Goiás, com uma participação de 3.500 extras e um elenco liderado pela bela Denise Milfont (lançada na TV em "O Pagador de Promessas", Globo, 1989) como a messiânica Santa Dica, que nos anos 20/30 liderou movimentos religiosos-camponeses no Centro Oeste.
O programa competitivo, em 35mm, incluiu os curtas "Au Revoir Shirley", de Gilberto Perin, sobre um gay gaúcho tentando a vida em Paris, e "Uzebriolouco", 19 de Adilson Ruiz, em que o ator José Celso Martinez Corrêa homenageia a memória de seu irmão, o diretor e autor de teatro Luiz Antônio, assassinado há 4 anos. À tarde, na sessão dos médias metragens, além de "Isto é Noel", de Rogério Sganzerla - já levado ao Festival de Brasília - foi apresentado "O Vôo Solitário", Everson Faganello, 26 anos, jornalista de Florianópolis, que aborda a vida e obra do entomólogo e naturalista alemão Fritz Plautmann, 82 anos, nascido em Konisberger, radicado no Brasil desde a década de 20 e dono de uma das mais expressivas coleções de insetos do planeta. Narrado originalmente em alemão por um menino interessado no trabalho do entomólogo, "O Vôo Solitário" resgata imagens antigas de Santa Catarina, intercalando-as com depoimentos do cientista, de seus alunos e de índios Caingangues (filmados por Vladimir Kozak) com os quais ele conviveu em harmonia no começo do século, e que hoje vivem em situação de perda de identidade.
Homenagens
A mais emotiva das homenagens que seriam prestadas neste Festival foi suspensa pela impossibilidade da Fundação da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, em ceder a única cópia existente de "Vento Norte", filme que o fotógrafo e cineasta (bissexto) gaúcho Salomão Scliar realizou em 1952 na praia de Torres.
Falecido em 15 de fevereiro de 1991, aos 65 anos, Salomão Scliar - personalidade bastante relacionada em Curitiba (tem muitos parentes e foi colaborador constante das revistas "Guaíra" e "Panorama", sendo grande amigo do editor José Curi e do publicitário Bayard Osna), realizou este filme numa época em que Porto Alegre vivia um grande surto cultural, três anos depois de Fernando de Barros ter rodado seu "Caminho do Sul". Citado em livros de Georges Sadoul e Glauber Rocha "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro", Civilização Brasileira, 63, o filme de Scliar é reverenciado como uma obra inovadora, motivo que levou o pesquisador Antônio de Jesus Pfeil e o produtor de TV, Cláudio Soares, seus grandes amigos, a sugerirem sua projeção no Festival - o que, infelizmente, não se consumou devido a impossibilidade da única cópia ser cedida para o evento deste ano. Em compensação, o Troféu Oscarito, criado no ano passado por iniciativa da Fundação Banco do Brasil, será entregue no encerramento do Festival a Walter Hugo Khouri, 60 anos, 41 de cinema, 22 longas (e mais dois episódios), mais de 70 premiações no Brasil e exterior (30 deles só com "Noite Vazia", 64) - e que desde 1973 é sempre presença amiga, simpática e cativante nos festivais de Gramado. "Só em 1979 não pode comparecer" comenta - mas, em compensação, no final daquele ano, aqui esteve, rodando um de seus mais belos filmes, "As Filhas do Fogo". Glauber Rocha, cujo 10º aniversário de morte transcorre em agosto, será também homenageado durante o Festival. Até ontem, o executivo da comissão organizadora Esdras Rubin, aguardava a confirmação da vinda de dona Lúcia Rocha, mãe do diretor de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", que aqui receberá um troféu especial em memória do grande cineasta baiano.
LEGENDA FOTO - O entomólogo alemão Fritz Plautmann e o menino Jorge Germendorff em "Vôo Solitário", de Everson Foganello, de Florianópolis. Média metragem concorrendo em Gramado.
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